Com todo o respeito às religiões, essencial examinar
com mais cuidado o comportamento na seara eleitoral de entidades religiosas,
seus fiéis e membros. Aquelas não podem ser usadas como instrumentos
impulsionadoras da candidaturas desses. Embora não exista no ordenamento a
figura do “abuso do poder religioso”, há restrições severas ao uso de entidades
religiosas e seus recursos nas campanhas eleitorais.
Como você sabe, e-leitor, o STF considerou inconstitucional as doações por qualquer pessoa jurídica. Em relação aos entes religiosos, já havia proibição. Determina o art. 24 da Lei da Eleições que “é vedado
a partido e candidato, receber direta ou indiretamente a doação em dinheiro ou
estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie,
procedente de entidades beneficentes e religiosas”. O dispositivo proíbe que
líderes religiosos, como pastores, usem qualquer recurso da igreja em suas
campanhas, ainda que estimável em dinheiro. Não se pode fazer do templo local
de eventos de campanha nem usar, na propaganda eleitoral, recursos da igreja, doados pelos fiéis ou
não.
O uso de
verbas e bens da igreja poderá ser apurado por meio da representação do art.
30-A da Lei 9504/97, voltada a sancionar condutas relativas à arrecadação e
gasto de campanha em desacordo com as norma das Lei das Eleições. A
possibilidade de imposição de sanção de inelegibilidade prevista na LC 64/90
cria hipótese de legitimidade e interesse de agir quanto a ação do art. 30-A em
relação aos candidatos vencedores e derrotados na eleição. O Ministério Público, partidos e
candidatos poderão manejar a ação de que seguirá o rito do art. 22 da LC 64/90,
o qual rege da ação de investigação judicial eleitoral. Ensina o TSE que “o bem jurídico tutelado nas
representações eleitorais do artigo 30-A da Lei n° 9.504/97 é a lisura da
campanha eleitoral, considerando a transparência e a moralidade dos recursos
financeiros que transitam pelos comitês financeiros, de modo a coibir a
utilização de fonte vedada e a prática de caixa dois”.(RO
2192 - Palmas/TO, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 19/04/2016).
Exige a
jurisprudência do TSE, para a afirmar a existência do ilícito na ação em pauta,
o exame da proporcionalidade (relevância jurídica), considerando o contexto da
campanha ou o próprio valor envolvido (RESPE 1.632.569, Rel. Min. Arnaldo
Versiani, DJE 27-3-2012).
Acrescente-se que a utilização dos recursos da entidade
religiosa em benefício de qualquer candidato pode configurar também o ilícito
eleitoral do abuso do poder econômico. Abaixo, trecho de meu livro sobre a
definição desse instituto[1]:
“Melhor andou
o TSE ao esclarecer no RESPE 191.868 (Rel. Gilson Dipp, acórdão de 4-8-2011)
que a utilização de recursos patrimoniais em excesso, públicos ou privados, sob
poder ou gestão do candidato em seu benefício eleitoral configura o abuso de
poder econômico. O abuso, em qualquer hipótese, é a utilização de poder fora da
moldura traçada pelo ordenamento. Poder econômico envolve a possibilidade de
infuenciar comportamentos pelo uso de recursos cujo valor possa ser traduzido
monetariamente. Nem todo exer-cício de poder econômico é ilícito(...) Destacou
o TSE que, para a configuração de abuso do poder econômico, é necessária:
A utilização
excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou
humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido
ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições
(AgR-RCED 580, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE 28-2-2012)”.
Não se pode negar que igrejas de todas as denominações
controlam um grande volume de recursos financeiros apto a impulsionar qualquer
candidatura. O uso de suas estruturas poderá configurar o ilícito do abuso de
poder econômico, severamente sancionado pela lei eleitoral e cuja punição pode
ser buscada pela ação judicial eleitoral ou pela ação de impugnação de mandato
eletivo. Caso a ação que ataque o abuso seja julgada procedente, será cassado o
registro ou do diploma do beneficiado, o qual será sancionado ainda com
inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8
(oito) anos subsequentes à eleição em que a conduta abusiva se verificou (art.
22, XV, c.c. art. 1º, I, d, ambos da LC 64/90,).
Vê-se, pois que nenhuma igreja deve ser voltada à
obtenção de voto. Entidades
religiosas sérias não devem permitir que seus recursos sejam usados para galgar
a escada ao paraíso do mandato eletivo. Lembremos que uma das grandes
conquistas da civilização ocidental é a separação entre Estado e religião: a César
o que é de César, a Deus o que é de Deus.
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