
Segundo o art. 1°, I, k, da LC 64/90, com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa(LC 135/2010), são inelegíveis os políticos que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal(...) para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura.
Foi protocolada, pelo PSOL, representação no Senado contra Demóstenes. O Senado iniciou o procedimento apuratório no dia 10 de abril. Para que incida a inelegibilidade era necessária a abertura de procedimento administrativo pela casa legislativa? Não. A interpretação das normas da Lei das Inelegibilidades é orientada pelo norte traçado no art. 14, §9º, da CF: as inelegibilidades buscarão proteger a probidade, a moralidade, a normalidade e a legitimidade das eleições. Em respeito a ele, impossível a criação de requisitos para configuração da inelegibilidade não previstos em lei. E essa faz referência tão somente à petição apta a abrir o processo.
Mas qualquer petição apresentada gerará a inelegibilidade? Em verdade, a inelegibilidade estará afastada se houver decisão do órgão julgador afirmando que a petição não preenche os requisitos mínimos para a abertura do procedimento. Caso contrário, inelegibilidade haverá. .
Tem mais. Fazer a exigência de abertura de processo é igualar inelegibilidade prevista no 1°, I, k, da LC 64/90do, quanto aos parlamentares, com a do art. 1º, I, b, o qual torna inelegível aquele que perder o mandato por ofensa à constituição ou lei orgânica. Afinal, a CF/88, no art. 55, § 4º, suspende os efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato até o julgamento. Tratou igualmente, portanto, a CF, a perda do mandato sem renúncia e a perda do mandato com renúncia após a instauração do procedimento: ambas geram inelegibilidade. Se a renúncia após a abertura do procedimento segundo a alínea b já geraria inelegibilidade, não se pode imaginar que a alínea k teria o mesmo conteúdo. A igualação dos conteúdos das alíneas, por óbvio, torna desprovida de eficácia uma delas. É correto interpretar norma protetiva de princípios constitucionais de forma a reduzir-lhe a eficácia? Claro que não.
Lembremos que nada impede que as casas legislativas tratem como quiserem a decisão sobre o recebimento da representação e a consequente abertura do processo. Consoante o Regimento do Senado(art. 32), as representações primeiro passam pela Comissão de Constituição de Justiça, que emite seu parecer. Depois disso, o Plenário vota pela admissão ou não da representação (art. 33). Não há prazo para o fim desse procedimento. Por óbvio, não atende ao desiderato da Constituição e da LC 64/90 a possibilidade do Poder Legislativo postergar o quanto quiser a decisão o recebimento da representação. Por isso, outra não pode ser a interpretação acerca do dispositivo além daquela aqui já exposta: protocolada a representação, a renúncia originará inelegibilidade.
Demóstenes Torres foi reeleito em 2010 e tomou posse em 01 de fevereiro de 2011. Seus oito anos de mandato findariam em 31 de janeiro de 2019. Acrescentemos mais 08 anos de inelegibilidade a esse período como determina a LC 135/2010 e chegaremos à seguinte conclusão: o novo Demóstenes, pós-renúncia, só debutaria nas eleições em 15 anos, no ano 2027.
Aqueles que renunciam ao mandato antes mesmo da abertura do processo de cassação dão a impressão ao eleitor de terem navegado em rios muito turvos. Pelo visto, graças à Lei da Ficha Limpa, sairão dessas águas para uma longa obscuridade.
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