Na última semana atuei como Procurador Regional Eleitoral em recurso contra sentença que indeferia registro de candidatura em virtude de o candidato ter tido as contas rejeitadas pelo TCU. Alegou o recorrente que já havia cumprido o prazo de três anos de inelegibilidade estabelecido na LC 64/90 e ampliado para oito pela LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). A questão, já tratada aqui em posts publicados no final do ano passado, já foi definitivamente resolvida pelo STF. Abaixo, trecho da minha manifestação no processo em que abordei o assunto:
O
STF já tratou do tema da eventual ofensa da LC 135/2010 a direito
adquirido e à coisa julgada no julgamento das ADCs 29 e 30 e ADI
4578. Reza o art. 102, §2º,
da CF/88, as decisões do STF tomadas em controle concentrado
“produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal”. Logo, não há mais nada a se discutir
sobre a matéria em questão: o norte a ser seguido foi posto nos
julgamentos das ADCS 29, 30 e da ADI 4578. Neles o STF resolveu
que a LC 135/2010 poderá estender prazos de inelegibilidade, ainda
que cumprida a sanção imposta com base na legislação anterior.
Afastou-se expressamente a possibilidade de se invocar a autoridade
da coisa julgada e o direito adquirido contra a aplicação da lei.
Eis trechos da ementa do acórdão que julgou as três ações:
“1.
A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime
jurídico –
constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão
pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a
consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na
retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê
de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da
coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus
sic
stantibus)
anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal
retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo
pretérito (expectativa de direito)”.
Ainda
tratando do tema, o STF manifestou-se expressamente sobre a
possibilidade da LC 135/2010 ampliar prazos de inelegibilidade nos
casos em que já haviam sido cumpridos:
“É
essa característica continuativa do enquadramento do cidadão na
legislação eleitoral, aliás, que também permite concluir pela
validade da extensão dos prazos de inelegibilidade, originariamente
previstos em 3 (três) , 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, para 8 (oito)
anos, nos casos em que os mesmos encontram-se em curso ou já se
encerraram. Em outras palavras, é de se entender que, mesmo
no caso em que o indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de
acordo com as hipóteses e prazos anteriormente previstos na Lei
Complementar nº 64/90, esses prazos poderão ser estendidos – se
ainda em curso – ou mesmo restaurados para que cheguem a 8 (oito)
anos, por força da lex nova, desde que não ultrapassem esse prazo.
Explica-se: trata-se, tão-somente, de imposição de um novo
requisito negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo
eletivo, que não se confunde com agravamento de pena ou com “bis
in idem”. Observe-se, para tanto, que o legislador cuidou de
distinguir claramente a inelegibilidade das condenações – assim é
que, por exemplo, o art. 1º, I, “e”, da Lei Complementar nº
64/90 expressamente impõe a inelegibilidade para período posterior
ao cumprimento da pena.
Tendo
em vista essa observação, haverá, em primeiro lugar, uma questão
de isonomia a ser atendida: não se vislumbra justificativa para que
um indivíduo que já tenha sido condenado definitivamente (uma vez
que a lei anterior não admitia inelegibilidade para condenações
ainda recorríveis) cumpra período de inelegibilidade inferior ao de
outro cuja condenação não transitou em julgado.
Em
segundo lugar, não se há de falar em alguma afronta à coisa
julgada nessa extensão de prazo de inelegibilidade, nos casos em que
a mesma é decorrente de condenação judicial. Afinal, ela não
significa interferência no cumprimento de decisão judicial
anterior: o Poder Judiciário fixou a penalidade, que terá sido
cumprida antes do momento em que, unicamente por força de lei –
como se dá nas relações jurídicas “ex lege” –, tornou-se
inelegível o indivíduo. A coisa julgada não terá sido violada ou
desconstituída”.
Destaque-se
que os precedentes do TSE usados pelos recorrentes e
proferidos após o STF se manifestar em controle concentrado
referem-se às eleições de 2010. Essas foram expressamente postas
pelo Supremo além do alcance da Lei da Ficha Limpa, como se vê no
item 14 da ementa do julgamento:
“14.
Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de
2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do
disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel.
Min. GILMAR MENDES (repercussão geral).”
Para
as eleições de 2012, a decisão do STF será respeitada. Se não
o for, fatalmente serão manejados não só os recursos
extraordinários pertinentes como a reclamação para garantia da
autoridade dos julgados do Supremo.
Como
se vê, face à manifestação do tribunal constitucional pátrio em
sede de controle concentrado, inútil, para a Justiça Eleitoral,
qualquer discussão doutrinária sobre o assunto. Se, apesar disso,
ela vier a ocorrer, a posição do MP está lançada abaixo".
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