Nessa semana, o STF deferiu liminar em Reclamação para suspender julgamento do TRE-MA que afastou a aplicação da Lei da Ficha Limpa para candidato que havia sido condenado em 2008 por captação ilícita de sufrágio (vulgo "compra de votos"). Considerou o STF que o TRE-MA desrespeitara o decidido nas ADCs 29, 30 e ADI 4578. Na última terça, o TSE reafirmou a posição do STF.
O TRE-AL , em agosto, havia adotado a posição do TRE-MA. O julgamento foi combatido por Recurso Especial do MP. Abaixo, os principais trechos do recurso oferecidos pelo Procurador Regional Eleitoral.
I
– SÍNTESE DOS FATOS
Trata-se de recurso contra acórdão do TRE-AL que
reformou sentença que julgara procedente ação de impugnação de
mandato eletivo proposta pelo Ministério Público Eleitoral em face
de xxx
Na ação, os autor pleiteou o indeferimento da
candidatura do réu em virtude da presença da causa de
inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “d” da LC 64/90, na
redação dada pela LC 135/2010, segundo o qual são inelegíveis
“os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente
pela Justiça Eleitoral, em
decisão
transitada em julgado ou
proferida por órgão colegiado,
em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político,
para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem
como para as que se realizarem nos 8
(oito) anos
seguintes”. Afirma que a questão da retroatividade da lei já foi
resolvida pelo STF nas ADC 29, 30 e ADI 4578.
O douto magistrado de primeiro grau, em sentença de
fls. 800/808, firme na decisão do STF proferida nas ADCs 29, 30 e
ADI 4578, definiu que as alterações feitas pela LC 135/2010 valem
para o pleito eleitoral atual e para os subsequentes. Destacou quena
imposição da sanção não há retroatividade propriamente dita,
mas retrospectividade e que não há ofensa à coisa julgada nem a
direito adquirido.
Em recurso ao TRE-AL, o candidato alegou que a
sentença ofendeu a coisa julgada, já que a “pena” de três anos
imposta ao candidato havia sido cumprida integralmente antes da
vigência da LC 135/2010. Ressaltou a LC 135/2010 só poderia gerar
efeitos nas eleições de 2012 e que concorreu no pleito de 2008
porque já havia cumprido a sanção de três anos.
Por
4x3, optou o TRE-AL por afirmar que o STF, no exercício do controle
concentrado de constitucionalidade feito nas ações citadas, não
teria se manifestado sobre casos análogos ao dos autos, razão pela
qual , razão pela qual o TRE-AL teria liberdade para decidir.
Destacou que “com
efeito, faz-se imperioso verificar o amoldamento do caso dos autos
dos contornos do julgamento das ADC's 29 e 30 pelo STF em março
passado, que ali foram postos em abstrato para desta forma, analisar
a incidência, ou não, de seus efeitos”(fls.
976).
Decidiu
o tribunal a
quo
pela inaplicabilidade do art. 1, I, “d”da LC 135/2010d afirmando
que :
“Confrontando
o caso paradigma com a situação em tela, constato e afirmo, com as
vênias de estilo, que o acórdão da lavra do ilustre ministro Luiz
Fux não discorreu efetivamente sobre a aplicação dos prazos de
inelegibilidade da lei nova a processos marcados pelo instituto da
coisa julgada, não servindo , portanto, como precedente necessário
para a matéria sub examine. Tanto isso é verdade, que ao tratr
acerca de caso idên6ico ao dos autos, quase três meses após a
decisão proferida pelo Pretório Excelso, o Egrégio Tribunal
Superior Eleitoral, em processos da relatoria dos também Ministros
da Suprema Corte, Maro Auréio (AgR-RO 4769-14 de 10/05/2012) e
Carmén Lúcia (RESPE n. 485.174 de 08/05/2012), afastou a aplicação
do precedente do STF, impedindo a aplicação da Lei Complementar n.
135 a condenações em inelegibilidade anteriores à sua
vigência”(fls. 977)
II – DA TEMPESTIVIDADE
O
acórdão recorrido (nº. 8.768) foi proferido em 21.08.2012, sendo a
Procuradoria Regional Eleitoral dele intimada na mesma data. Nos
termos do art. 11 da LC 64/90, o
dies
ad quem para
interposição do recurso é 24.08.2012, data em que devidamente
protocolado o instrumento recursal.
III
– DO CABIMENTO DO RECURSO
O
manejo desse Recurso Especial fundamenta-se no disposto no art. 121,
§ 4º,
I e II da Constituição Federal e art. 11, §2º, da LC 64/90. Eis
os dispositivos:
“Art.
121.
Omissis...
(…)
§
4º. Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá
recurso quando:
I
– forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição
ou de lei;
II
- ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais
tribunais eleitorais;
*
*
*
Art.
11. Na sessão do julgamento, que poderá se realizar em até 2
(duas) reuniões seguidas, feito o relatório, facultada a palavra às
partes e ouvido o Procurador Regional, proferirá o Relator o seu
voto e serão tomados os dos demais Juízes.(...)
§
2° Terminada a sessão, far-se-á a leitura e a publicação do
acórdão, passando a correr dessa data o prazo de 3 (três) dias,
para a interposição de recurso para o Tribunal Superior Eleitoral,
em petição fundamentada.
Como
se demonstrará a seguir, o julgamento ora atacado, negando
autoridade ao julgamento do STF nas ADCs 29, 30 e ADI 4578, ofendeu
o disposto no art.
1º, I, “d” da LC 64/90 e no art.
102, §2º,
da CF/88. Divergiu, ainda, o TRE-AL de
interpretação fixada pelo TRE-SP no RECURSO
ELEITORAL N° 73-70.2012.6.26.0146, proferido em 03/08/2012 (cópia
do acórdão segue anexa).
IV
– DO PREQUESTIONAMENTO E DA DIVERGÊNCIA ENTRE TRIBUNAIS ELEITORAIS
O
prequestionamento se opera pela "manifestação do Tribunal a
respeito de determinada questão posta em discussão, pouco
importando a referência explícita ou não ao artigo de lei que seja
pertinente"1.
Como se verá a seguir, o TRE-AL tratou expressamente da não
aplicação da LC 135/2010 - em especial da redação dada ao art.
1º, I, d, da LC 64/90 - a fatos que lhe são anteriores e da
ignorou a incidência art. 102, §2º, da CF/88. Quanto a esses dois
pontos, o acórdão atacado adotou interpretação divergente da
escolhida pelo TRE-SP. Vejamos.
V - DA DECISÃO DO STF NAS
ADCS 29, 30 E 4578
Tratou
o Pretório Excelso da eventual ofensa da LC 135/2010 a direito
adquirido e à coisa julgada no julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADI
4578.
Reza
o art. 102, §2º,
da CF/88 que as
decisões do STF tomadas em controle concentrado “produzirão
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. O norte a
ser seguido pelos tribunais foi posto nos julgamentos das ADCS 29, 30
e da ADI 4578. Neles,
o STF resolveu que a LC 135/2010 poderá estender prazos de
inelegibilidade, ainda que cumprida a sanção imposta com base na
legislação anterior.
Afastou-se expressamente a possibilidade de se invocar a autoridade
da coisa julgada e o direito adquirido contra a aplicação da lei.
Eis trecho relativo ao tema da ementa do acórdão que julgou as três
ações:
“1.
A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime
jurídico –
constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão
pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com
a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na
retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê
de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da
coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus
sic
stantibus)
anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal
retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo
pretérito (expectativa de direito)”.
No
corpo do acórdão, o STF manifestou-se sobre a possibilidade da LC
135/2010 ampliar prazos de inelegibilidade decorrente de decisão
judicial nos casos em que já haviam sido cumpridos. In
verbis:
“É
essa característica continuativa do enquadramento do cidadão na
legislação eleitoral, aliás, que também permite concluir
pela validade da extensão dos prazos de inelegibilidade,
originariamente previstos em 3 (três) , 4 (quatro) ou 5 (cinco)
anos, para 8 (oito) anos, nos casos em que os mesmos encontram-se em
curso ou já se encerraram.
Em
outras palavras, é de se entender que, mesmo no caso em que o
indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de acordo com as
hipóteses e prazos anteriormente previstos na Lei Complementar nº
64/90, esses prazos poderão ser estendidos – se ainda em curso –
ou mesmo restaurados para que cheguem a 8 (oito) anos, por força da
lex nova, desde que não ultrapassem esse prazo.
Explica-se: trata-se, tão-somente, de imposição de um novo
requisito negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo
eletivo, que não se confunde com agravamento de pena ou com “bis
in idem”. Observe-se, para tanto, que o legislador cuidou de
distinguir claramente a inelegibilidade das condenações – assim é
que, por exemplo, o art. 1º, I, “e”, da Lei Complementar nº
64/90 expressamente impõe a inelegibilidade para período posterior
ao cumprimento da pena.
Tendo
em vista essa observação, haverá, em primeiro lugar, uma questão
de isonomia a ser atendida:
não se vislumbra justificativa para que um indivíduo que já tenha
sido condenado definitivamente (uma vez que a lei anterior não
admitia inelegibilidade para condenações ainda recorríveis) cumpra
período de inelegibilidade inferior ao de outro cuja condenação
não transitou em julgado.
Em
segundo lugar, não se há de falar em alguma afronta à coisa
julgada nessa extensão de prazo de inelegibilidade, nos casos em que
a mesma é decorrente de condenação judicial.
Afinal, ela não significa interferência no cumprimento de decisão
judicial anterior: o Poder Judiciário fixou a penalidade, que terá
sido cumprida antes do momento em que, unicamente por força de lei –
como se dá nas relações jurídicas “ex lege” –, tornou-se
inelegível o indivíduo. A
coisa julgada não terá sido violada ou desconstituída”.(g.n)
Vale
lembrar que o pedido da ADC 29 tratava justamente da aplicação da
LC 135 a fatos ocorridos antes do advento desse diploma legal. Parece
evidente, assim, que faz parte do dispositivo do acórdão a decisão
sobre a suposta ofensa à coisa julgada. Ainda que não fizesse, não
é demais lembrar que desde o julgamento da Reclamação 1987-0
entende o STF que não existe obter
dicta
em julgamento concentrado de constitucionalidade. Há, no caso, o o
que o STF chamou de transcendência dos motivos da decisão, aos
quais também é agregado efeito vinculante.
Acrescente-se
que os precedentes do TSE- citados pelos TRE-AL - proferidos após
o STF se manifestar em controle concentrado referiam-se às eleições
de 2010 e 2008. Essas foram expressamente postas pelo Supremo além
do alcance da chamada “Lei da Ficha Limpa”, como se vê no item
14 da ementa do julgamento:
“14.
Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de
2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do
disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel.
Min. GILMAR MENDES (repercussão geral).”
Não
houve, portanto, ao contrário do afirmado pelo TRE-AL, nenhuma
desobediência do TSE em relação à decisão do STF. Para as
eleições de 2012, a decisão do STF há de ser respeitada, sob
pena de ofensa ao art. art. 102, §2º,
da CF/88.
VI
- Da divergência na interpretação de lei entre o TRE-AL e o TRE-SP
e da ofensa ao art. 1º, I, “d” da LC 135/2010 e ao art.
102, §2º
da CF
Exposto
o entendimento do STF sobre o tema, torna-se evidente que o TRE-AL,
ao negar a possibilidade de aplicação da LC 135/2010 a fatos
pretéritos, contrariou
expressamente o art. 1º, I, “d” da LC 64/90, segundo
o qual são inelegíveis “os que tenham contra sua pessoa
representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em
decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em
processo de apuração de abuso do poder econômico ou político,
para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem
como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes.”
Posição
diametralmente oposta foi adotada pelo TRE-SP acerca do alcance da LC
135/2010 a fatos supostamente cobertos pela coisa julgada. Em
03/08/2012, o tribunal paulista julgou o RECURSO ELEITORAL N°
73-70.2012.6.26.0146 (doc. anexo). A recorrente tinha contra si
condenação transitada em julgado em 2007 por captação ilícita de
sufrágio nas eleições de 2004. Como não havia previsão de sanção
de inelegibilidade na condenação, sustentou que coisa julgada
impediria a aplicação da LC 135/2010 a seu caso em 2012. A seguir,
o trecho pertinente do relatório do acórdão:
“Essa
recorrente, com efeito, sustentou, em resumo(...) c) em relação ao
mérito, fora condenada por captação ilícita de sufrágio, decisão
trânsita em julgado em 22 de maio de 2007, no curso da legislatura
de 2005/2008; d) por esse motivo tivera o diploma cassado; e)
inexistência de causa de inelegibilidade a impedir a sobredita
candidatura; f) na época dessa condenação não havia previsão de
sanção de inelegibilidade decorrente da Lei Complementar 135/2010;
g) após essa condenação fora eleita prefeita de Bento de Abreu no
pleito de 2008; h)
inadmissibilidade da aplicação da Lei Complementar 135/2010 por
violar os princípios da irretroatividade das leis, legalidade, coisa
julgada, individualização da pena e presunção de não
culpabilidade;”
A
tese da recorrente não encontrou guarida no TRE-SP. Esse,
diversamente do TRE-AL, afirmou que: a) a decisão tomada pelo STF em
controle concentrado tem caráter vinculante; b) a aplicação da LC
135/2010 a fatos pretéritos não ofende a coisa julgada, o direito
adquirido ou o ato jurídico perfeito. Abaixo, trecho da decisão do
TRE-SP que trata do julgamento do STF:
“Portanto,
a inelegibilidade sob exame decorre de texto expresso da Lei
Complementar 64/1990 e, como comprovado documentalmente ter sido a
recorrente condenada em razão de captação ilícita de sufrágio
nas eleições de 2004 (decisão transitada em julgado em 8 de junho
de 2007), com fundamento no artigo 41-A, da Lei 9.504/1997, fora
cassado o correspondente diploma (folhas 50/67). Daí ter sido de
rigor o indeferimento do pedido de registro de candidatura”.
Por
sinal, para esse deslinde que se impõe no caso sob análise há
recente decisório do colendo Supremo Tribunal Federal respeitante às
ações declaratórias de constitucionalidade 29 e 30 e direta de
inconstitucionalidade 4.578, pelo qual reconhecido o ajustamento da
Lei Complementar 64/1990, modificada pela também norma complementar
135/2010, aos preceitos da Carta Magna. Outrossim,
por esse acórdão definiu-se que inelegibilidade não é pena e,
ainda, ser possível retroatividade para abranger fatos anteriores à
respectiva edição.(fls. 05)
Fazendo
referência expressa à ementa do julgado do STF o TRE-SP assevera:
“Esse
aresto, por sinal, está ementado na seguinte conformidade:
AÇÕES
DE AÇÃO DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E DE
INCONSTICIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR N°
135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE.(...) CONSTITUCIONALIDADE DA
LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS
EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.
1.
A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico -
constitucional e legal complementar - do processo eleitoral, razão
pela
qual
a aplicação da Lei Complementar n° 135/10 com a consideração de
fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada
pelo art. 5° , XXXV, da Constituição, mercê de incabível a
invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada
(que opera sob o pálio da cláusula rebus
sic stantibus)
anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal
retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo
pretérito (expectativa de direito)” (fls. 6)
Tratando
especificamente da eficácia do julgado do STF, o TRE-SP arremata:
“Logo,
desse modo, após essa declaração de constitucionalidade, esse
preceito de lei complementar tem eficácia erga omnes e efeito
vinculante.”(fls. 09)
Como
se vê, a interpretação adotada pelo TRE-SP é diametralmente
oposta a do TRE-AL, o qual, às fls 977, sustentou que “confrontando
o caso paradigma com a situação em tela, constato e afirmo, com as
vênias de estilo, que o acórdão da lavra do ilustre ministro Luiz
Fux não discorreu efetivamente sobre a aplicação dos prazos de
inelegibilidade da lei nova a processo marcados pelo instituto da
coisa julgada, não servindo portanto, como precedente necessário
para a matéria sub examine”.
De
um lado, o TRE-AL afirma que quando o “processo que aplicou a
inelegibilidade encontra-se encerrado, transitado em julgado e o
efeito jurídico da sentença exaurido (..) não há que se cogiar de
acréscimos de efeitos novos a fatos passado”(fls. 982). De outro,
o TRE-SP, referindo-se ao acórdão do STF nas ADCs 29, 30 e ADI
4578, decidiu que não há ofensa nenhuma a coisa julgada, que
inelegibilidade não é pena e que é possível retroatividade para
abranger fatos anteriores à edição da LC 135/2010. (fls. 05)
O
quanto exposto demonstra que o TRE-AL violou o art. 1º, I, d, da LC
135/2010, e ignorou o art. 102, §2º, da CF, o qual confere eficácia
vinculante às decisões definitivas de mérito do STF proferidas em
controle concentrado de inconstitucionalidade. Mais: a interpretação
adotada pelo TRE-AL diverge frontalmente da escolhida pelo TRE-SP.
Ainda
que não se dê efeito vinculante à decisão do STF, há outros
motivos para se reformar a decisão do TRE-AL.
DA
SUPOSTA OFENSA À COISA JULGADA
As
principais premissas implícitas no raciocínio do TRE-AL são as de
que inelegibilidade é pena e que a coisa julgada impedira que pena
cumprida fosse ressuscitada. Com a devida vênia, inelegibilidade de
pena nada tem. Fixo
como ponto de partida que não existe definição de “pena” ou de
“inelegibilidade” fora do âmbito do direito posto. Dizer que a
natureza das coisas é suficiente para aclarar esses conceitos
jurídicos é imaginar que no mundo natural seria possível encontrar
fisicamente algo semelhante a uma “pena”. As definições de pena
e de inelegibilidade, portanto, serão extraídos das normas do
sistema.
Começo lembrando que tanto TSE
quanto STF já asseveraram que inelegibilidade não é pena:
“Inelegibilidade
não constitui pena. Possibilidade, portanto, de aplicação da lei
de inelegibilidade,
Lei
Compl. n. 64/90, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência.”
(STF - MS 22.087/DF, rel. Min. Carlos Velloso, Pleno, DJ de
10/05/1996, p. 15.132)
“A
inelegibilidade, assim como a falta de qualquer condição de
elegibilidade, nada mais é do que uma restrição temporária à
possibilidade de qualquer pessoa se candidatar, ou melhor, de exercer
algum mandato. Isso pode ocorrer por eventual influência no
eleitorado, ou por sua condição pessoal, ou pela categoria a que
pertença, ou, ainda, por incidir em qualquer outra causa de
inelegibilidade”(Consulta nº 1.147/DF, rel. Min. Arnaldo Versiani,
julgada em 17 de junho de 2010)
A
intenção dos que equiparam inelegibilidade a pena é uma só:
pleitear a aplicação dos incisos XXXIX, XL e LVII do art. 5º,
da CF/88, que estipulam, respectivamente, que “não há crime sem
lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”
e “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, e
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”.
Ainda que fosse possível o
alargamento que se pretende dar a institutos próprios do direito
penal, a tese de que inelegibilidade seria pena é equivocada.
Examinemos a matéria sob o ângulo penal. O que é pena para o
direito criminal?
A primeira e óbvia noção para
se chegar ao conceito de pena é que ela só nasce do cometimento de
ato ilícito. Não por outra razão o Código Penal, ao cominar pena,
primeiro descreve o fato a ser punido(“matar alguém”, “subtrair
algo mediante violência ou grave ameaça” e assim por diante) para
depois dar-lhe a reprimenda. O art. 121 do CP, por exemplo, reza o
seguinte:
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão de 06 a 20 anos
As inelegibilidades criadas pela
LC 135/2010 são como as penas? Nascem elas sempre de ato ilícito?
Não.
A LC 135/2010, traz
casos, como os do art. 1º, k
e q
em que o simples exercício de direito, como o de renunciar e o de se
exonerar, acarreta inelegibilidade. É possível considerar ilícitos
os atos dos governantes que renunciam ou dos membros do MP e do
Judiciário que pedem exoneração ou aposentadoria voluntária? A
resposta a essa pergunta, por óbvio, é negativa. Ora, se
inelegibilidade pode surgir do exercício do direito, como
considerá-la pena?
Tem mais. Há inelegibilidades
nascidas do mero exercício da profissão (como no caso dos membros
do MP e da Magistratura), de relação de parentesco do indivíduo
com mandatários, ou do analfabetismo. Onde está a ilicitude nesses
casos?
Diz a Constituição que a lei
regulará a individualização da pena(art. 5º, XLVI). Obedecendo a
essa norma, o art. 59 do Código Penal dá nove critérios para o
magistrado estabelecer a sanção. Qual é a possibilidade do
magistrado graduar a inelegibilidade? Nenhuma. Se a inelegibilidade
não pode ser individualizada, poderia ser considerada pena?
Fosse
pena, deveria, no caso das relacionadas à sanção criminal,
desaparecer com a prescrição da pretensão executória, a qual, nos
termos do art. 110 do Código Penal, regula-se pela pena aplicada. A
prescrição da pretensão executória impede a execução da pena e
da medida de segurança. Apesar da pena ser extinta, o que ocorre com
a inelegibilidade? Permanece intacta, assim como os demais efeitos
secundários da condenação: a inclusão do nome no rol dos
culpados, a revogação do sursis, a caracterização da reincidência
se houver crime posterior, a interrupção a prescrição executória
quando houver reincidência, a revogação da reabilitação e assim
por diante2.
Examinemos um exemplo concreto quanto à prescrição da pretensão
executória de pena de um ano para o crime de furto. A sanção
prescreverá em quatro anos, a teor do art. 109, V, c.c o art. 110.
Já a inelegibilidade perdurará por 08 anos.
Como já é possível vislumbrar,
a inelegibilidade de pena não tem nada. Mesmo quando oriunda de
condenação criminal, é dela mero efeito. Os que equiparam pena e
inelegibilidade cometem o equívoco, com a devia vênia, de igualar
toda sanção à pena. Nem toda consequência negativa ao cidadão é
pena. Faço minhas as palavras de Kelsen, no seu “Teoria Pura do
Direito”. Para Kelsen,(1984,71) o Direito é concebido como uma
ordem estatuidora de atos de coerção. A proposição jurídica que
descreve o Direito toma a forma da afirmação segundo a qual, sob
certas condições ou pressupostos pela ordem jurídica determinados,
deve-se executar um ato de coerção, pela mesma ordem jurídica
especificado. Dentre as espécies de ato de coação(ou sanção)
está a pena, a inclusão de nome no rol de culpados e a
inelegibilidade. Isso não significa que todos sejam idênticos.
Segundo Kelsen, “o conceito de sanção pode ser estendido a todos
os actos de coerção estatuídos pela ordem jurídica, desde que com
ele outra coisa se não queira exprimir senão que a ordem jurídica,
através desse actos, reage contra uma situação de facto
socialmente indesejável e, através dessa reação, define a
indesejabilidade dessa situação de fato”.
A tese da inelegibilidade como
simples efeito da condenação é claramente albergada pelo TSE. Eis
o que definiu o tribunal na Consulta 1147-09/2010:
“Não
se trata, mais uma vez, de perda de direitos políticos, mas, sim, de
inelegibilidade que não constitui pena, não se podendo pensar em
afastá-la apenas porque, antes da vigência da nova lei, a
respectiva condenação não trazia como consequência a
inelegibilidade para certas hipóteses. A inelegibilidade não
precisa ser imposta na condenação. A condenação é que, por si,
acarreta a inelegibilidade.
A decisão, por exemplo, de Tribunal de Contas que rejeita as contas
de determinado cidadão não o declara inelegível. A inelegibilidade
advém do disposto na alínea g
do
inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. E é o que ocorre com todas as
demais inelegibilidades, inclusive com as oriundas de processos
criminais, de improbidade administrativa ou eleitorais”. (grifo
nosso)
Grande parte da doutrina também
não trata da inelegibilidade como pena, mas como mero óbice ao
exercício da cidadania. Por todos, veja-se o que ensina Pedro
Henrique Távora Niess(1994, pp. 5-9):
"Inelegibilidade
é uma medida destinada a defender a democracia contra possíveis e
prováveis abusos. A inelegibilidade consiste no obstáculo posto
pela Constituição ou por lei Complementar no exercício da
cidadania passiva, por certas pessoas, em razão de sua condição em
face de certas circunstâncias. Se a elegibilidade é é pressuposto
do exercício regular do mandato político, a inelegibilidade é a
barreira intransponível a ele"
O
STF, no julgamento das ADCs 29, 30 e 4578, adotou claramente o
entendimento de que inelegibilidade é mera
inadequação
do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal
complementar – do processo eleitoral”
Como se nota, os conceitos de
inelegibilidade e de pena são absolutamente distintos. Diante disso,
é possível afirmar que a LC 135/2010 não poderia alcançar fatos
que lhe são pretéritos
A
LC 135/2010 alcança condutas que lhe são anteriores
Chegamos a uma das mais
controversas questões do debate travado no STF: as inelegibilidades
previstas na LC 135/2010 podem ser aplicadas a fatos que lhe são
anteriores? A resposta só pode ser alcançada se analisarmos as
normas constitucionais relativas à aplicação da lei no tempo.
Na
esfera penal, a Constituição Federal restringe muitíssimo a
aplicação retroativa da lei. Os incisos
XXXIX
e XL do art. 5º estipulam, respectivamente, que “não há crime
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal” e que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar
o réu”. Tais dispositivos teriam importância para nós se a
inelegibilidade fosse pena. Não é, como demonstrado. Deixemos de
lado, então, os dois dispositivos e partamos para o exame de outras
balizas dadas pela Carta de 1988 para a eficácia temporal das leis.
Em
seu
art.
5º,
XXXVI, a CF/88
assevera
que “a
lei
não
prejudicará
o
direito
adquirido,
o
ato
jurídico perfeito e
a
coisa
julgada”.
Vê-se que, ao contrário do que muita gente diz, o ordenamento não
fixou como absoluto o princípio da irretroatividade das leis. A nova
lei pode tratar de condutas anteriores à sua vigência, desde
que não contrarie o direito adquirido, a coisa julgada e o ato
jurídico perfeito.
A legislação
ordinária também trata do assunto. O art. 6º, caput,
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro afirma que “a
Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”
Examinando o tema, Maria Helena Diniz (2001, p. 78)leciona que “sob
a égide da nova lei cairão os efeitos presentes e futuros de
situações pretéritas, com exceção do direito adquirido, do ato
jurídico perfeito e da coisa julgada”. Acrescenta ela que as
normas políticas retroagem, alcançando os atos que estão sob o seu
domínio, ainda que iniciados sob o império da lei anterior. É
certo dizer, portanto, que a
lei
disciplina
eventos
futuros, mas
pode referir-se a condutas passadas.
As
inelegibilidades previstas na Lei Ficha Limpa só poderão obstar
candidaturas a partir do exame do pedido de registro dessas na
Justiça Eleitoral para as eleições de 2012, como já decidido pelo
STF. Nos termos do art. 11, §10º, da Lei 9.504/97, “as condições
de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no
momento da formalização do pedido de registro da candidatura”, o
que é feito até 05 de julho do ano da eleição. Quando tais
pedidos foram feitos, Ministério Público, candidatos, coligações
e partidos puderam oferecer as ações de impugnação de registro de
candidatura(AIRCs), previstas no art. 3º da LC 64/90. Mesmo que não
fossem oferecidas as ações, a justiça eleitoral poderia recusar-se
a registrar candidato se detectasse alguma inelegibilidade.
O
exame das condições de elegibilidade da LC 135 em 2012 não se
confunde com sua aplicação retroativa.
O
que há é mero reflexo da eficácia imediata da lei, prevista no
art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil,
pois
a Lei da Ficha Limpa estará sendo aplicada a registros de
candidaturas posteriores à sua vigência.
A
norma fará incidir efeitos sobre fatos passados, possibilitando que
esses sejam utilizados para se impedir a obtenção do registro para
as eleições
de
2012.
À espécie de eficácia em que são analisados efeitos
de uma norma a condutas passadas dá-se o nome de retrospectividade.
O Min. Fux, discorrendo sobre o assunto no seu voto vencedor nas ADC
29, ADC 30 e ADI 4578 , citou com precisão
J.J. Gomes Canotilho para explicar o conceito:
“(...)
a aplicação da Lei Complementar no 135/10 com a consideração de
fatos anteriores não viola o princípio constitucional da
irretroatividade das leis. De modo a permitir a compreensão do que
ora se afirma, confira-se a lição de J. J. GOMES CANOTILHO (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 5. edição. Coimbra:
Almedina, 2001, p. 261-262),
em textual:
“[...]
Retroactividade consiste basicamente numa ficção: (1) decretar a
validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal
(data) anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos
jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes de
sua entrada em vigor. [...]”
O
mestre de Coimbra, sob a influência do direito alemão, faz a
distinção entre: (i) a retroatividade autêntica: a norma possui
eficácia ex
tunc,
gerando efeito sobre situações pretéritas, ou, apesar de
pretensamente possuir eficácia meramente ex
nunc,
atinge, na verdade, situações, direitos ou relações jurídicas
estabelecidas no passado; e (ii) a retroatividade inautêntica (ou
retrospectividade): a norma jurídica atribui efeitos futuros a
situações ou relações jurídicas já existentes, tendo-se, como
exemplos clássicos, as modificações dos estatutos funcionais ou de
regras de previdência dos servidores públicos (v. ADI 3105 e 3128,
Rel. para o acórdão Min. CEZAR PELUSO).
Como
se sabe, a retroatividade autêntica é vedada pela Constituição da
República, como já muitas vezes reconhecido na jurisprudência
deste Tribunal. O mesmo não se dá com a retrospectividade, que,
apesar de semelhante, não se confunde com o conceito de
retroatividade mínima defendido por MATOS PEIXOTO e referido no voto
do eminente Ministro MOREIRA ALVES proferido no julgamento da ADI 493
(j. 25.06.1992): enquanto nesta são alteradas, por lei, as
consequências jurídicas de fatos ocorridos anteriormente –
consequências estas certas e previsíveis ao tempo da ocorrência do
fato –, naquela a lei atribui novos efeitos jurídicos, a partir de
sua edição, a fatos ocorridos anteriormente. Repita- se: foi o que
se deu com a promulgação da Emenda Constitucional no 41/03, que
atribuiu regimes previdenciários diferentes aos servidores conforme
as respectivas datas de ingresso no serviço público, mesmo que
anteriores ao início de sua vigência, e recebeu a chancela desta
Corte.
A
aplicabilidade da Lei Complementar n.o 135/10 a processo eleitoral
posterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção
supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade
inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao ius honorum
(o direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já
ocorridos”. A situação jurídica do indivíduo – condenação
por colegiado ou perda de cargo público, por exemplo –
estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no
tempo. Esta, portanto, a primeira consideração importante: ainda
que se considere haver atribuição de efeitos, por lei, a fatos
pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade, já admitida
na jurisprudência desta Corte.
A questão em pauta – se novas inelegibilidades
podem recair sobre fatos pretéritos – não estava sendo apreciada
pela primeira vez no STF. Em 1990, quando da promulgação da Lei
Complementar nº 64/90,
revogando a
Lei
Complementar
5/70,
sustentou
Pedro Henrique Távora Niess (2000, P. 48) a
aplicação
imediata para
as novas
inelegibilidades,
mesmo
decorrente
de fatos
anteriores
à sua
vigência,
nos
seguintes
termos:
“Sujeitam-se
a ela também os que tenham sido processados e condenados antes da
entrada em vigor da Lei Complementar nº 64/90(...) É que o diploma
de 1990 tem natureza civil, não tipificando delitos (exceto o art.
25), mas complementando dispositivo constitucional relativo a
inelegibilidades, e apanhando, assim, todos aqueles que se enquadrem
nas situações nela agrupadas, no momento de sua imposição. Isto
não significa ter a lei efeito retroativo, mas sim aplicação
imediata”
O
TSE, à época, ao julgar os recursos
8.818
e 9.797, decidiu que “a
inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e,
da Lei Complementar 64-90, aplica-se às eleições do corrente ano
de 1990 e abrange sentenças criminais condenatórias anteriores à
edição daquele diploma legal (...)
ainda
que o fato e a condenação sejam anteriores à vigência”.
Tal
entendimento
foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal:
CONSTITUCIONAL. ELEITORAL.
INELEGIBILIDADE. CONTAS DO ADMINISTRADOR PÚBLICO: REJEIÇÃO. Lei
Complementar nº 64/90, art. 1º, I, “g”.
(...)
II. -
Inelegibilidade não constitui pena. Possibilidade, portanto, de
aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Compl. nº 64/90, a fatos
ocorridos anteriormente a sua vigência ( MS nº
22087-2,
Rel.
Min. Carlos Velloso,
DJ 09/04/96)
Decisões dos tribunais à parte, voltemos a examinar a
questão à luz da eventual ofensa à segurança jurídica. Tratemos,
pois, do tema sob a ótica dos limites constitucionais à
retroatividade aplicáveis à hipótese: a coisa julgada, o ato
jurídico perfeito e o direito adquirido. Vamos mais longe ainda:
examinemos eventual ofensa ao princípio da confiança, segundo o
qual, os cidadãos, em virtude da segurança jurídica, devem ter
protegida a legítima
confiança na permanência das situações jurídicas.
Comecemos
pelo ato jurídico perfeito, assim definido pelo art. 6º, § 1º, da
Lei de Introdução ao Código Civil: reputa-se ato jurídico
perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou. O ato jurídico gerador da possibilidade de se candidatar é
o registro de candidatura. Nenhum registro será desconstituído pela
LC 135/2010. O que ocorrerá é que as inelegibilidades nela
previstas impedirão que novos registros sejam deferidos. Não há,
portanto, que se falar em desrespeito ao instituto.
E
quanto ao direito adquirido? Segundo o art. 6º, § 2º, da Lei de
Introdução ao Código Civil, “consideram-se adquiridos os
direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como
aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição
preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. Imaginar que
o direito adquirido possa ser óbice à aplicação da LC 135
corresponde a pensar que haveria direito adquirido a regime jurídico
anterior das inelegibilidades. Não existe, como o STF tem afirmado
reiteradamente, direito adquirido a regime jurídico. Nesse ponto,
vale a pena destacar a lição de Carlos Maximiliano, ex-Procurador
Geral da República e ex-ministro do STF(1955, p. 62):
Não
há direito adquirido no tocante a instituições, ou institutos
jurídicos. Aplica-se logo, não só a lei abolitiva, mas também a
que, sem os eliminar, lhes modifica essencialmente a natureza. Em
nenhuma hipótese granjeia acolhida qualquer alegação de
retroatividade(...)
Seguindo
os passos de Maximiliano, o TSE em 2010, na consulta 1147, assim se
manifestou sobre a inexistência de direito às causas de
inelegibilidade:
As
novas disposições legais atingirão igualmente a todos aqueles que,
repito, “no
momento da formalização do pedido de registro da candidatura”,
incidirem
em alguma causa de inelegibilidade, não se podendo cogitar de
direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente
previstas.
Abordemos
agora da alegação de ofensa à coisa julgada. Como cediço, a
autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, mas uma
qualidade que se agrega a seus efeitos. Quando
alguém diz que determinado assunto não pode voltar a ser discutido,
está apelando para o efeito negativo da coisa julgada. Mas esse
abarca somente a matéria tratada no processo findo. Nada tem a ação
de impugnação de registro de candidatura (AIRC) a ser manejada em
2012 com a declaração que lá, no processo gerador da condenação
que ensejou inelegibilidade, foi feita. O que se discute na AIRC- que
será tratada com vagar adiante - é se a condenação – qualquer
das elencadas pela LC 135/2010-, existente na época do registro
poderia gerar restrição ao direito de ser votado. Imaginar que a
coisa julgada na ação criminal, por exemplo, alcançaria
as AIRCs oferecidas pelo MP é esquecer dos limites objetivos e
subjetivos da coisa julgada. No
dizer de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart(2003, p. 668)
A
declaração qualificada pelo selo da coisa julgada gera uma lei do
caso concreto, mas apenas para o caso concreto. Quer
dizer que a imutabilidade decorrente da declaração transitada em
julgado somente pode dizer respeito ao caso em relação ao qual a
declaração foi produzida. Outro caso evidentemente não será
regido por aquela declaração judicial. Mais que isso, mesmo para o
caso específico, a imutabilidade apenas se manifestará entre as
mesmas partes perante as quais a declaração foi obtida, e enquanto
permanecerem intocadas as circunstâncias fáticas e jurídicas,
como se verá mais adiante, pois somente assim pode-se afirmar que se
estará diante do mesmo caso concreto.
As partes, o
pedido e a causa de pedir das AIRCs nada tem a ver com a ação
geradora de inelegibilidade. Não há, nos estreitos limites dos
pedidos de registro, novo julgamento de causa já julgada. Não se
está impondo nova sanção, mas avaliando-se o cumprimento da
exigências no momento do registro de candidatura.
Sequer há coisa
julgada quando se analisam dois registros do mesmo candidato em
eleições diversas. Definiu o TSE que as
condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são
aferidas a cada pedido de registro do candidato perante a Justiça
Eleitoral, não podendo ser invocado eventual deferimento atinente à
eleição pretérita(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral
nº 31511, acórdão de 06/10/2008)
Suponhamos que um candidato, em janeiro de 1989, foi
condenado a pena de um ano por crime eleitoral e cumpre essa
reprimenda. Em 1990, com o advento da lei LC 64, surge hipótese de
inelegibilidade pela prática desse crime. A lei se aplicaria a ele,
que cumpriu a pena antes de sua vigência, ou não? Se sim, houve
ofensa à coisa julgada, já que a inelegibilidade não estava
prevista na condenação anterior? O TSE em casos como esse, declarou
a existência de inelegibilidade. Com fundamento no art. 1º, I, “e”,
da LC 64/90, ao tratar de candidato condenado criminalmente, com
trânsito em julgado, pela prática do art. 329, do CE, em 03/01/89 –
antes, portanto, da vigência da LC 64/90 - decidiu o TSE:
“INELEGIBILIDADE.
LEI 64/90. CRIME ELEITORAL Existente condenação por crime
eleitoral, postado em sentença definitiva e, inclusive com o
cumprimento da pena pelo candidato, este torna-se inelegível na
forma do art. 1º, inciso I, e, da Lei Complementar nº 64/90.
Recurso que se nega provimento (Acórdão nº 11.403, Rel. Min. Pedro
Acioli)
Vimos
que a aplicação da LC 135/2010 a fatos que lhe são anteriores não
ofende o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada. Prometi que iria mais longe e examinaria se houve qualquer
outra ofensa à segurança jurídica, em especial ao princípio da
confiança. Vejamos o que Canotilho afirma sobre esse último(2000,
p. 256):
“O
princípio do estado de direito, densificado pelos princípios da
segurança jurídica e da confiança jurídica, implica, por um lado,
na qualidade de elemento objetivo da
ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem
jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por
outro lado, como dimensão garantística jurídico-subjetiva dos
cidadãos, legitima a confiança na permanência das respectivas
situações jurídicas. Daqui a idéia de uma certa medida de
confiança na atuação dos entes públicos dentro das leis vigentes
e de uma certa proteção dos cidadãos no caso de mudança legal
necessária para o desenvolvimento da atividade de poderes."
A pergunta que se
põe é: há expectativa legítima de manutenção do regime anterior
de inelegibilidades estipulado pela LC 64/90? Não, não há.
Explico.
Em 1994, a Emenda
de Revisão n. 4 inseriu no art. 14 da CF/88 o §
9º. Ei-lo:
§
9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e
os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade
administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada
vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do
exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou
indireta.
A norma, de 1994,
frise-se, reflete ordem do poder constituinte derivado para que Lei
Complementar estabelecesse novas inelegibilidades para proteção da
probidade administrativa, da moralidade para o mandato, levando em
conta a
vida pregressa do candidato.
Como
imaginar que dezoito
anos depois,
em 2012, ano em que valerá a Lei Ficha Limpa segundo o STF, haveria
expectativa legítima de manutenção de regime jurídico nascido
antes da determinação constitucional presente no art. 14, §
9º? Dizer, nessa hipótese, que expectativa legítima foi atingida é
sustentar que o parágrafo nono citado nunca teve eficácia nenhuma.
Não existe norma constitucional com eficácia zero.
Tem
mais. Quando os cidadãos têm expectativas legítimas, exige-se do
Estado que apresente regra de transição razoável sempre que houve
mudança legislativa que as ofenda. Apesar de não ofender
expectativa legítima nenhuma, a LC 135/2010 ainda previu regra de
transição para alguns dos que foram atingidos por ela. Seu art. 3º
estipula que “os recursos interpostos antes da vigência desta Lei
poderão ser aditados para o fim a que se refere o caput
do
art. 26-C da LC 64/90, introduzido por esta lei complementar”. O
art. 26-C, por sua vez, permite que o tribunal responsável pelo
julgamento do recurso contra decisões colegiadas geradoras de
inelegibilidade possa, em caráter cautelar, suspender a
inelegibilidade.
É
possível sustentar, diante desse contexto, que "a segurança
jurídica será atacada mortalmente" pela aplicação da LC
135/2010? Ou que o "Estado de Direito corre risco de perecer
diante de iniciativas justiceiras como a LC 135/2010"? Ou, como
é de se esperar, que "a LC 135 não pode retroagir, pois
somente os nazistas teriam coragem de remoer o passado"?
Lembremos da piada conhecida como Lei de Godwin: "quanto
mais dura uma discussão, maior a probabilidade de que apareça uma
comparação com os nazistas ou com Hitler." Impossível
esquecer a lição do acerca da reductio
ad Hitlerum,
um substituto capenga da técnica argumentativa válida do reductio
ad absurdum: dizer
que alguma idéia teria sido eventualmente compartilhada por Hitler
não basta a encerrar a discussão sobre ela (STRAUSS, 1953).
Resumindo:
a LC 135/2010 pode sim alcançar fatos que lhe são anteriores. Não
há, nesse caso, violação alguma da segurança jurídica. Estarão
preservados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido, a coisa
julgada e as expectativas legítimas. Foi isso que decidiu o Supremo
Tribunal Federal nas ADCs 29 e 30, e na ADIN 4578.
CONCLUSÃO
Do
exposto, requer o
Ministério Público Eleitora que seja o presente recurso conhecido
e provido
para que, reformando-se o julgamento atacado, seja indeferido o o
registro de candidatura de xxxx
Maceió/AL,
28 de julho de 2012.
Rodrigo
Antonio Tenório Correia da Silva
Procurador
Regional Eleitoral
1VALADÃO
NOGUEIRA, Luiz Fernando. Recurso Especial. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007, p. 26
2
Vale ressaltar que a multa também não é atingida pela prescrição
executória porque, pelo art. 51 do CP, é considerada dívida de
valor.
Parabéns pelo espaço dedicado ao debate eleitoral, infelizmente o TRE-MA insiste em não aplicar a lei da ficha limpa em decisões teratológicas com exclusivo viés politico.
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