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Trecho de TENÓRIO, Rodrigo Antonio.
Direito Eleitoral; coordenação André
Ramos Tavares, José Carlos Francisco. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo:
Método, (no prelo)
Nascerá o interesse de agir na modalidade adequação para o RCED nas seguintes
hipóteses: a) inelegibilidades infraconstitucionais supervenientes; b)
inelegibilidades constitucionais; c) condições de elegibilidade.
Já
abordamos os conceitos de inelegibilidades constitucionais e condições de
elegibilidade. Dúvidas restam quanto as inelegibilidades supervenientes. Para o
TSE, o conceito abarca exclusivamente as inelegibilidades que surgirem após o
registro e antes das eleições. In verbis:
Na linha da jurisprudência desta Corte
Superior, reafirmada em julgados recentes, a inelegibilidade superveniente,
para fins de ajuizamento do recurso contra expedição de diploma, deve ser
aquela que surge após o registro e antes da eleição.( Agravo Regimental em
Recurso Especial Eleitoral nº 37849 - Pilar/AL . Rel. Min. Henrique Neves,
DJE de 14/11/2014, p. 53)
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Com a devida vênia, tal
posicionamento não é o mais acertado. A análise do tema à luz das teorias do
fato jurídico e do ordenamento jurídico apontam para caminho oposto.
Partamos de duas premissas: a) a
diplomação é ato jurídico, espécie de fato jurídico, motivo pelo qual deve ser
examinada sob a ótica dos planos da existência, da validade e da eficácia; b) o
ordenamento jurídico, no dizer de Bobbio[1], ostenta caráter sistêmico, o que significa
que é inadmissível que seus componentes, as normas, guardem entre si relação de
contradição(ou incoerência).
12.5.1. Do exame
da diplomação como ato jurídico: os planos da existência, da validade e da
eficácia
A diplomação é
ato jurídico apto a mudar ao status do candidato eleito. O mandato, em verdade,
não nasce da aclamação pela vontade popular: essa é apenas um dos
condicionantes fáticos do ato jurídico diplomação. Refiro-me aquilo que Pontes de Miranda denominou suporte
fático, o qual corresponde a “fato, evento ou conduta que poderá ocorrer no
mundo e que por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da
normatividade jurídica”[2] . Tanto a
diplomação tem dentre seus efeitos a outorga do mandato ao ganhador das
eleições que o início da prerrogativa de foro no âmbito criminal se dá com a expedição
de diploma e não com a vitória nas urnas. Se a
diplomação é ato jurídico, para se verificar sua existência é preciso examinar
tudo que lhe é anterior e que sirva como condicionante.
O suporte fático é conceito do
mundo dos fatos. Após a ocorrência no plano do real de todos seus
elementos, dá-se a incidência da norma, fazendo surgir o fato jurídico. Acrescente-se, nessa breve explanação sobre suporte
fático, que fatos jurídicos e seus efeitos – tais como decisão judicial e a
inelegibilidade - podem constituir suporte fático de outros fatos jurídicos,
como a diplomação.
São os suportes
fáticos constituídos de elementos positivos ou negativos. A inelegibilidade
superveniente é um dos elementos negativos do suporte fático da diplomação. Presente
a inelegibilidade, essa não se concretizará.
Para a
dogmática jurídica, validade é qualificação que se atribui a ato jurídico
conforme com o direito, ou seja, o que não contém “qualquer mácula que o torne
defeituoso”[3].
Validade, assim, é sinônimo de perfeição: diz-se válido o ato cujo suporte
fático é perfeito. O exame da validade é feito sempre a partir do suporte
fático. Num primeiro momento o ato existe e só então ingressa no plano da
validade. Nota-se, pois, que o trato da validade levará em conta
necessariamente o tempo em que suporte fático se constitui, ou seja, o momento
da existência.
Passemos, por
fim, à eficácia, a qual corresponde à aptidão do fato jurídico para irradiar os
efeitos próprios que lhe são outorgados pela norma. O ato para ser eficaz deve
existir, mas não necessariamente ser válido. Há atos jurídicos nulos que geram
efeitos, como o casamento putativo, e atos válidos sem eficácia, como o
testamento enquanto vivo o testador. A invalidade é a principal causa de
ineficácia, mas não a única. Leciona Marcos Bernardes de Mello que o existir, o
ser jurídico, é sempre pressuposto da validade, ou invalidade, e da eficácia ou
da ineficácia do ato jurídico. [4] Em
outros termos, a existência é sempre condicionante, ou antecedente, de validade e eficácia.
Já que estamos a examinar se
inelegibilidade nascida após a eleição repercutirá na diplomação, curial
destacar que a eficácia dos fatos jurídicos podem estar “sujeitas a vicissitude
que influem em seu surgimento e amplitude, tanto sob os aspectos temporal e
espacial quanto a seu conteúdo”[5]. Possível,
portanto, que a norma crie limites temporais à eficácia. Quanto a atos que
independem da vontade de quem sofre seus efeitos – como as decisões geradores
de inelegibilidade – os limites temporais advirão sempre de disposição expressa
da lei ou da natureza do ato jurídico.
O Código Eleitoral, a Lei 9504/97,
e LC 64/90 e a CF/88 estabelecem quais as hipóteses fáticas condicionantes (o
suporte fático abstrato) da existência
da diplomação. O tempo em si não pode ser fato jurídico, mas seu transcurso
integra suportes fáticos, como se dá nos casos de decadência e prescrição. No
plano da existência, será que os requisitos da diplomação limitar-se-iam ao que
se concretizar até a data da eleição? No que toca à eficácia, teria a lei estabelecido
limite temporal para a eficácia da inelegibilidade superveniente, extraindo efeitos
para a diplomação somente daquelas que se concretizaram até a data da eleição?
Se a lei não o fez, decorreriam os limites da própria natureza do ato
originador da inelegibilidade? Para as três questões, a resposta é negativa.
Comecemos lembrando que o Código
Eleitoral, no art. 262, reza que O
recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade
superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de
elegibilidade. Inexiste no dispositivo qualquer restrição ao conceito de
inelegibilidade superveniente. Esse há de ser extraído das demais normas do
ordenamento, tendo em vista a impossibilidade de haver contradição entre as
normas do sistema. Ausente previsão específica, somente através das lentes da
coerência do sistema é que se determinará
o verdadeiro alcance do qualificativo “superveniente”. Parece óbvio que
se o ordenamento permitir que outros elementos negativos do suporte fático da
diplomação se façam presentes após a votação, seria pouco coerente não o fazer
em relação às inelegibilidades. Testemos, então, a hipótese.
Desdobramentos das prestações de contas, as
quais podem ser oferecidas até 30 dias depois
do pleito(art. 29 da LE), repercutirão quanto à diplomação. Determina o art. 29, § 2º, da Lei 9504/97 que “a inobservância do prazo para encaminhamento
das prestações de contas impede a diplomação dos eleitos, enquanto perdurar”.
Vê-se, pois, que a legislação consagra o nascimento de elementos negativos de
existência da diplomação em tempo posterior à eleição. Há outros exemplos. O art. 30-A da LE e o
art. 1º, I, “j”, da LC 64/90 cominam,
respectivamente, cassação(ou negativa) de diploma e inelegibilidade a quem
praticar condutas
em desacordo com as normas da Lei 9504/97 relativas à arrecadação e gastos de
recursos. O período de arrecadação e gasto não finda com a data da eleição. Permite
o art. 30, §1º, da Res. 23406/14
“a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já
contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar
integralmente quitadas até o prazo para entrega da prestação de contas à
Justiça Eleitoral” . Arrecadação e gasto poderão, assim, ser executados
após o pleito. Se houver prática do ilícito previsto no art. 30-A quanto às
movimentações extemporâneas, o diploma pode ser cassado ou negado. Eis,
novamente, ilicitude posterior à eleição impedindo a diplomação.
Obriga o art. 22 da LE que partidos e candidatos abram
conta bancária específica para registrar todo o movimento financeiro da
campanha. O §3° dispõe que o uso de recursos
financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham dessa conta
“implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato;
comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura
ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.”Vimos
que o pagamento de gastos eleitorais pode se dar após o pleito, o que significa
que o ilícito em pauta pode ocorrer também depois da votação. Assim, cria a lei
possibilidade de movimentação financeira ocorrida depois da data da votação acarretar
cassação do diploma.
As disposições legais
citadas demonstram que o ordenamento enumera elementos negativos de existência
da diplomação que são posteriores à votação. Haveria coerência do
ordenamento se afastadas, do rol desses elementos, as inelegibilidades
supervenientes concretizadas após o pleito? É claro que não.
Continuemos com o foco no caráter sistêmico do
ordenamento. O TSE já reconheceu que impede a diplomação trânsito em julgado de
condenações criminais - o qual gera suspensão de direitos políticos – mesmo
após à eleição.
“Recurso contra a expedição de diploma (CE, art. 262, I).
Inelegibilidade superveniente ao registro e anterior a diplomação: cabimento
do recurso. 2. Condenação criminal transitada em julgado após a eleição e
antes da diplomação por crime contra a administração pública é causa de
inelegibilidade (LC nº 64/90, art. 1º, I, e),
oponível a candidato eleito, mediante recurso contra a expedição de diploma.
3. Recurso conhecido e provido” (TSE, RCED 532, Rel. Min. Torquato Jardim,
acórdão de 19/10/95)
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“Condenação
criminal. Trânsito em julgado. Direitos políticos. Suspensão. Efeito
automático. Inelegibilidade. Diplomação negada. Desprovimento.
1. Há de se negar a diplomação ao eleito que não possui, na data
da diplomação, a plenitude de seus direitos políticos. 2. A
condenação criminal transitada em julgado ocasiona a suspensão dos direitos
políticos, enquanto durarem seus efeitos, independentemente da natureza do
crime. 3. A suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15,
III, da Constituição Federal é efeito automático da condenação criminal
transitada em julgado e não exige qualquer outro procedimento à sua
aplicação. [...]”
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Alguns poderiam dizer que os precedentes
tratam de condições de elegibilidade, já que o trânsito em julgado afeta o gozo
dos direitos políticos. Levando em conta os planos da existência e eficácia do
ato jurídico, irrelevante que consideremos que os casos tratariam de ausência superveniente
de condição de elegibilidade ou inelegibilidade. A irrelevância deflui da nova
redação do art. 262 do CE, segundo o qual tanto as condições de elegibilidade
quanto as inelegibilidades supervenientes podem ser manejadas em RCED. A condenação
criminal transitada em julgado é tão
elemento negativo da existência do ato jurídico diplomação quanto qualquer
inelegibilidade superveniente. Não há, com a devida vênia, ante a letra do art.
262 do Código Eleitoral fundamento idôneo a justificar a diferença de
tratamento entre essa e os demais obstáculos à existência do ato jurídico
diplomação ocorridos após a eleição. Vislumbra-se
apenas uma interpretação quanto às inelegibilidades supervenientes capaz de
preservar a coerência do ordenamento: o alcance temporal da análise dos planos
da existência e da eficácia do ato jurídico diplomação abarcará tanto eventos
ocorridos anteriormente à votação quanto os que se concretizarem após ela, até a
data da expedição do diploma. Ausente previsão legal em contrário, os atos
jurídicos geradores de inelegibilidade existentes após a eleição e antes da
diplomação terão eficácia instantânea e não protraída: ocorrido o fato
jurídico, “os direitos e pretensões que compõem seu conteúdo eficacial surgem
de uma só vez”[6].
Para o TSE, eficácia
da inelegibilidade posterior à votação seria protraída, revelando-se somente no
período eleitoral seguinte àquele em que surgiu. Porém, um olhar cuidadoso
sobre as normas do ordenamento que implícita ou explicitamente dispõem
sobre as eficácias das inelegibilidades prova algo diverso.
O
art. 15 da LC 64/90 assevera que
“transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que
declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou
cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido”.
Consoante o parágrafo único do artigo, tal decisão, independentemente da
apresentação de recurso, deverá ser comunicada, de imediato, ao Ministério
Público Eleitoral e ao órgão da Justiça Eleitoral competente para o registro de
candidatura e expedição de diploma do réu. Não é possível vislumbrar no artigo
nenhuma restrição que indique que a norma não incidirá sobre as
inelegibilidades concretizadas após a eleição e antes da diplomação.
Prossigamos. O art. 26-C, “caput”,
da LC 64/90 estipula que “o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a
apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas
d, e, h, j, l e n do inciso I do art.
1° poderá, em caráter cautelar, suspender a
inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde
que a providência tenha sido expressamente requerida” . O §2° dispõe que “mantida a
condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar
mencionada no caput, serão
desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente”.
Não há, na norma, referência nenhuma à limitação temporal da eficácia das
manutenções das decisões ou das revogações das suspensões de liminares
concretizadas após a votação.
Nesse ponto, destaquemos que dadas as
definições dos planos da existência e da eficácia, torna-se simples enxergar
que, na situação epigrafada: a) a eficácia do ato gerador da inelegibilidade
havia sido suspensa com a liminar; b) uma vez que essa perde seu efeito, aquela
volta a se estabelecer desde o momento da existência, já que a eficácia, na
hipótese em epígrafe, é imediata, surgida tão logo concretizado o suporte
fático. O que aqui se expõe também se aplica à hipótese em que decisões
administrativas como as do TCU são suspensas por tutelas de urgência em ações
que buscam anulá-las. Revogada a tutela após as eleições e antes da diplomação,
a revogação terá eficácia “ex tunc”. Com
o afastamento do óbice à eficácia representado pela tutela de urgência, nada
impedirá que se considere que aptidão do fato jurídico para irradiar os
efeitos próprios que lhe são outorgados pela norma estava presente desde o
primeiro momento em que houve o ingresso no plano da existência, pois estamos
diante hipótese de eficácia imediata. Essa leitura está em consonância com os
arts. 15 e 26-C, §2º, da LC 64/90 e com a
jurisprudência do STJ e do STF. Para ambos, a revogação da tutela provisória
gera efeitos retroativos. Tão pacífica é a matéria que, quanto ao mandado de
segurança, já existe a súmula 409 dispondo que denegado o mandado de segurança pela sentença, ou
no julgamento do agravo, dela interposto, fica
sem efeito a liminar concedida, retroagindo
os efeitos da decisão contrária.
12.5.2. Dos
precedentes do TSE.
Volto a dizer: considerada
a redação do art. 262 do Código Eleitoral e do art. 1 da LC 64/90, não há
obstáculo à concretização de elemento negativo do suporte fático da diplomação
após a eleição nem tampouco limite temporal da eficácia do ato jurídico gerador
da inelegibilidade ocorrido após a votação.
Estudemos dois precedentes do
TSE em que se sustenta a tese de que a inelegibilidade superveniente é só a
ocorrida até a eleição. Trato do julgado já citado no capítulo, o Agravo
Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 37849 - Pilar/AL. Lá se concluiu
que “a rejeição de contas superveniente ao dia da eleição não enseja o
ajuizamento de recurso contra a expedição de diploma, pois a cláusula de
inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 se
aplica às eleições que vierem a se realizar nos oito anos seguintes à decisão,
e não àquelas anteriormente realizadas”.
Supostamente, aplicou o TSE
a interpretação gramatical, usando a expressão “eleições que vierem a se
realizar nos oito anos seguintes à decisão” constante na alínea g
como ponto central da argumentação. Como a redação da alínea “g” não tem
similitude em relação às outras, deveria
ser inaplicável a restrição às demais inelegibilidades. Ressalte-se que mesmo
as alíneas que contêm o termo “as eleições que se realizarem nos oito anos
seguintes”, como a “h” e a “d”, mencionam também a “eleição na qual concorrem
ou tenham sido diplomados”.
O texto das alíneas “h” e “d”,
que se referem à “eleição na qual tenham sido diplomados” mostram equívoco
terminológico cometido pelo TSE. O termo “eleição” não é unívoco na legislação eleitoral. Tanto pode se referir ao dia
do pleito, como a todo o processo eleitoral. Não por outro motivo as alíneas
“h” e “d” mencionam “eleição na qual tenham sido diplomados”. Perde força a intepretação
puramente gramatical do TSE ante a bivocidade do termo “eleição” na legislação
eleitoral
Passemos ao próximo julgado. O TSE já decidiu que
acórdão que confirma condenação por ato de improbidade administrativa doloso
proferido após as eleições não é considerado ato gerador de inelegibilidade
superveniente a ser aventada em RCED (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 97552 -
Pinhalzinho/SP. Rel. Min. Luciana Lóssio. DJE de 06/11/2014, p. 97) Estamos na alínea “l”,
do art. 1, I da LC64/90, que torna inelegíveis “os que forem condenados à suspensão dos direitos
políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao
patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito
em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da
pena”. As balizas temporais da eficácia são claras: “desde
a condenação ou trânsito em julgado até o transcurso do prazo de oito anos após
o cumprimento da pena”. Onde se vê o limite temporal à
eficácia da condenação posterior às eleições defendido pelo TSE? Se na alínea
“g”, o tribunal apoiou-se no termo “eleições que vierem a se
realizar nos oito anos”, aqui, ele não está disponível. Surgida antes da diplomação,
deveria a inelegibildiade ter sua eficácia respeitada, o que se faz possibilitando
que seja tratada no RCED.
Claro que a análise
individualizada de todas as alíneas do art. 1 da LC 64/90 foge aos objetivos
desse livro. No entanto, a aplicação dos marcos teóricos aqui estabelecidos
basta a afastar a conceituação restritiva do TSE quanto à inelegibilidade
superveniente, pouco importando de qual alínea estamos a tratar.
Para preserver o caráter
sistêmico do ordenamento, o conceito de inelegibilidade superveniente deve ser
extraído de suas normas. Ao reduzir o alcance eficacial de inelegibilidades
consagradas na LC 64/90, o TSE, está, em verdade, restringindo o alcance de
normas estabelecidas em obediência a princípios consagrados no comando
constitucional do art. 14, §9°: “Lei complementar estabelecerá outros casos de
inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade
administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida
pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a
influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta”.
Dentre outras conceituações, os princípios são exigências de justiça,
equidade ou de outra dimensão da moral social[7]
(Dworkin, 2007). O constituinte derivado estabeleceu na norma em pauta
princípio impositivo, aquele que, no dizer de Canotilho, “impõe aos órgãos do
Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas” [8]
(2000, p. 1167). São princípios definidores dos fins do Estado.
Em cumprimento à determinação
constitucional, a LC 64/90 – a Lei das Inelegibilidades – regulamentou o art.
14, § 9°. Em 2010, a LC 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, alterou dispositivos
da LC 64/90, ampliando o rol de inelegibilidades. Lembremos que os princípios,
ensina Canotilho, têm função normogenética ou sistêmica[9].
Orientam a atuação do intérprete, de modo a conferir coerência ao sistema
jurídico, evitando que seus componentes entrem em contradição. Por conta desse
papel, os princípio postos no art. 14, §9°, são os grandes nortes interpretativos
de todo o sistema de inelegibilidades. Não parecem seguir esse rumo os julgados
do TSE que limitam o conceito de
inelegibilidade superveniente a despeito da inexistência de lastro legal, como
acima demonstrado.
De todo o exposto, conclui-se:
a) a aplicação da teoria do fato
jurídico indica que elementos negativos de existência do ato jurídico
diplomação podem se fazer concretos mesmo após o dia da votação;
b) no art. 262 do Código
Eleitoral e nas alíneas do art. 1 da LC 64/90 inexistem os limites temporais à
eficácia de inelegibilidade supervenientes criados pelo TSE. Tampouco existem
limites temporais decorrentes da própria natureza do ato jurídico gerador da
inelegibilidade, os quais ostentam eficácia imediata. ;
c) os precedentes do TSE quanto a
alínea “g” pecam por esquecer a coerência do sistema jurídico e por não
reconhecer a ausência de univocidade do termo “eleição”;
d) Os arts. 15 e 26-C da LC 64/90
dão mostra de que a eficácia da inelegibilidade nascida antes da diplomação é
sempre imediata, nunca protraída.
e) O norte interpretative dado
pelo art14, §9°, da CF/88 não se coaduna com
restrições ao conceito de inelegibilidades supervenientes não postas
expressamente na legislação.
[1] BOBBIO, Norberto. Teoria do
ordenamento jurídico. 9. ed. Trad. Maria Celeste Santos. Brasília:
Universidade de Brasília, 1997.
[2]
MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato
jurídico: plano da existência. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 81
[3]
MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato
jurídico: plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 39
[4]
MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato
jurídico: plano da existência. São Paulo: Saraiva, 2014.
[5]
MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato
jurídico: plano da eficácia. São Paulo: Saraiva, 2014, p.49
[6]
MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato
jurídico: plano da eficácia. São Paulo: Saraiva, 2014, p.65
[7] DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007
[8] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da
Constituição.7. ed. Coimbra: Almedina, 2000
[9] idem, ibidem.
Caro Professor,
ResponderExcluirQuando sairá a segunda edição? Forte abraço.
Prezado,
ResponderExcluirO original foi encaminhado a editora. Acho que até o fim do primeiro trimestre deve ser publicado. Atenciosamente,
Rodrigo Tenório