Partidos e candidatos devem prestar contas à Justiça eleitoral expondo a receitas e gastos da campanha eleitoral. Quem se negasse a prestá-las não poderia obter quitação eleitoral necessária à candidatura. Porém, quem as apresentasse e tivesse as contas rejeitadas, por maiores que fossem os vícios nelas presentes, teria direito à quitação. Concorda com esse tratamento, e-leitor? Não? Boas novas: para as eleições de 2012, o TSE modificou a regulamentação da matéria.
A Resolução 23376/2011 determina que a rejeição das contas impedirá a obtenção da quitação eleitoral (art. 52, §2º), sem a qual não é possível ser candidato. Quem teve as contas rejeitadas já está sendo chamado de “contas-sujas”(ecos da Lei da Ficha Limpa...) O impedimento de quitação em virtude de rejeição de contas previsto na Res. 23376/2011 correponde à mudança de 180 graus em relação à recente jurisprudência do TSE.
No RESPE 153164-MT, por exemplo, o TSE, por 4x3, afirmou que
“o § 7º do artigo 11 da Lei nº
9.504/1997, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº
12.034/2009, inovou, no que tange à quitação de obrigações
eleitorais, ao dispor que a mera apresentação de contas de campanha
eleitoral bastaria para a expedição de certidão de quitação
eleitoral”. Acrescentaram os ministros que “a desaprovação ou
a não oportuna apreciação das contas não poderiam acarretar falta
de quitação eleitoral, a impedir o registro de candidatura a novo
cargo eletivo”.
Eis o
teor do dispositivo que fundamentou o julgado:
§
7o
A
certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a
plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do
voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para
auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas
aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não
remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.
A posição
de que rejeição de contas não impediria obtenção de quitação
baseia-se no fato de que o artigo afirma que a certidão de
quitação eleitoral abrangerá exclusivamente “a apresentação de
contas de campanha eleitoral". Os críticos dizem que, com a nova Resolução, o TSE desrespeitou os limites de seu poder normativo, pois seria impossível em
resolução agregar à desaprovação o mesmo efeito dado pela Lei
9504/97 exclusivamente à não apresentação. Ocorre que a
legislação não tem esse restritíssimo
alcance que lhe foi dado nos julgamentos acima. Vejamos.
Não podemos esquecer que o direito, como toda
linguagem, é um sistema de elementos coerentes que guardam entre si relação de não contradição. É absolutamente incoerente
considerar a que a não apresentação de contas poderia impedir a
quitação e a desaprovação não. É que naquela sequer se
comprovou efetivamente que vício severo ocorreu, o que ocorre nos
procedimentos de prestação de contas findados com decisão de
rejeição.
Há mais.
Na rejeição de contas, o candidato pode ser punido com
sanções que não atingirão quem não as prestar no momento
adequado, como o recolhimento ao fundo partidário dos valores
oriundos de fontes vedadas. Afinal, aquele que teve as contas declaradas não
prestadas e depois as apresenta à Justiça Eleitoral, terá a situação regularizada para
a próxima legislatura.
Nota-se que a
rejeição é sancionada mais severamente que a não apresentação.
Parece, diante desse quadro, evidente que a carga valorativa
negativa a ser dada à rejeição é maior que à não apresentação.
Por isso, descabido presumir que o efeito quanto à obtenção da
quitação viria somente para quem não prestasse contas.
Na realidade, em
benefício da coerência do sistema, o art. 11, §
7o
da Lei 9504/97 há de ser interpretado em conjunto o art. 30, o qual assevera que “A Justiça Eleitoral verificará
a regularidade das contas de campanha”. Nesse
ponto, precisas as lições do Min. Marco Aurélio ao referir-se ao art.
11, §
7o no seu voto no RESPE
153164MT, acompanhado por Lewandowsky e Nancy Aldrigh. Afirmou ele
que a referência à apresentação de contas é feita não apenas
para se atender a um apecto formal, mas para se perquerir sobre a
harmonia ou não dessas contas com o ordenamento jurídico. E
arrematou:
"É possível afirmar,
potencializando-se apenas o aspecto formal em detrimento do
fundo, ser suficiente dirigir-se ao protocolo da Justiça Eleitoral e
apresentar contas, pouco importando a boa ou a má procedência
delas?
A
finalidade da norma não é essa, a menos que também se assente que,
apresentadas as contas, haja o exaurimento do dever do candidato, sem
a necessidade sequer do pronunciamento da Justiça Eleitoral sobre a
regularidade (…) Senhor
Presidente, não consigo emprestar ao § 70do artigo 11 da Lei n°
9.50411997 sentido limitativo quanto aos elementos conducentes a
obter-se a certidão de quitação eleitoral. A rejeição das contas
está compreendida no preceito como fator determinante para não se
alcançar a certidão de quitação. A referência a esta, contida no
início do preceito, norteia o alcance da parte final, da expressão
"apresentação de contas".
Vê-se que a nova Resolução não inovou em nada ao dar à rejeição o
mesmo efeito da não apresentação. Simplesmente trouxe exigência
já prevista em lei. Não há que se falar, portanto, em
extrapolamento dos limites do poder normativo pelo TSE. A dúvida que se põe agora é: a exigência valerá já para as eleições de 2012? Ou as rejeições de contas gerarão efeitos só em 2014? Veremos isso no próximo post.
2 comentários:
Dr. Rodrigo, não consigo encontrar esse acórdão no TSE. Você poderia disponibilizar o link do inteiro teor dele, por gentileza? Grato.
Régis,
Não consigo postar links para inteiro teor de julgado do TSE. Para achar qualquer acórdão, vá à página "Pesquisa de Jurisprudência " e digite o número do processo que citei no post. Atenciosamente,
Rodrigo Tenório
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