Diversamente do que se tem propagado, a PEC 32/2020, a da
Reforma Administrativa, atinge em cheio os atuais servidores. Dispõe seu art. 2o
que “ao servidor público investido em cargo efetivo até a data de entrada em
vigor do regime jurídico de que trata o art. 39-A da Constituição é
garantido regime jurídico específico, assegurados: I) a estabilidade,
após três anos de efetivo exercício e aprovação em estágio probatório; II) a não aplicação do disposto no art. 37, caput,
inciso XXIII, alíneas “a” a “j”, da Constituição na hipótese de haver lei
específica vigente em 1o de setembro de 2020 que tenha concedido os benefícios
ali referidos, exceto se houver alteração ou revogação da referida lei; e III)
os demais direitos previstos na Constituição.
O regime jurídico de que trata o art. 39-A, citado no art. 2o,
é aquele que compreende o vínculo de experiência, vínculo provisório e a figura
do cargo típico de Estado (ainda a ser definida). Já as alíneas “a” a “j” do
art. 37, XXIII, que não se aplicariam aos servidores de hoje, referem-se à
vedação de benefícios como licença-capacitação, progressão por tempo e
adicional de substituição. O art 2o é a única regra de transição que
traz a PEC. Preservada a estabilidade nos moldes vigentes a mantidos os benefícios da carreira, parece,
a princípio, que os servidores atuais estariam salvos dos impactos da PEC 32,
certo? Errado.
Comecemos pela avaliação de desempenho prevista no art. 41. Atualmente,
já há previsão dessas avaliação pelo art. 41 da CF, a qual deveria ser regida
por lei complementar. A PEC não estabelece critério nenhum para a avaliação e
determina no art. 41-A, que será regida por lei ordinária. Tal lei será
aplicável a todos os servidores, inclusive os atuais, nos termos do parágrafo
primeiro do novo art. 41 e do art. 2o
da PEC.
No novo art. 84, que amplia os poderes do Presidente da
República, também há consequências para os servidores atuais, e não só os do
Executivo. Permite-se que por Decreto, ato expedido pelo Presidente, ele possa,
quando não implicar aumento despesa, dispor sobre extinção de autarquias e
fundações; alterar e reorganizar os
cargos efetivos do Poder Executivo Federal e suas atribuições desde que não implique alteração ou
supressão da estrutura da carreira ou alteração da remuneração, dos requisitos
de ingresso no cargo ou da natureza do vínculo; criação, fusão, transformação
ou extinção de Ministérios e de órgãos diretamente subordinados ao Presidente
da República, observado o disposto no art. 88.
Se o presidente pode extinguir autarquias e fundações –
ocupadas, obviamente, pelos que hoje já integram o serviço público - e pode reorganizar as atribuições dos cargos
dos servidores atuais, como defender que a reforma não os atinge? Promulgada a
PEC, poderia, a princípio, o presidente, sem o Congresso, extinguir autarquias
inteiras, como o IBAMA ou alterar as atribuições de cargo que foram postas em
lei pelo Congresso Nacional. Parece que aqui há ofensa à cláusula pétrea da
separação de poderes posta no art. 60, §
4º, III, da CF consubstanciada pela concentração exagerada de poderes nas mãos
do Presidente da República em detrimento do Poder Legislativo. Cargos e
autarquias hão de ter seus limites postos em manifestação do Congresso
Nacional. O modelo constitucional vigente outorga ao Presidente da República a
iniciativa privativa de iniciar o processo legislativo no (art. 84,II) nos
casos previstos na Constituição. De seu turno, o art. 61, II, “a” e “e” dá-lhe
iniciativa privativa nos projetos de lei que disponham sobre organização administrativa,
criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração Pública. Cabe ao
Presidente iniciar o processo legislativo; ao Congresso, a decisão final do
tema. O equilíbrio de poderes será claramente violado caso o poder do
presidente passasse de iniciativa de provocar ao Congresso à absorção de suas
funções.
O art. 247, com a redação dada pela PEC, reza que “as
leis previstas no inciso III do § 1o do art. 41 e no § 7o do art. 169
estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo
servidor público investido em cargo típico de Estado”.
Possibilita o art. 169 que o servidor, estável ou não, perca o cargo
para que sejam cumpridos os limites de gastos estabelecidos em lei
complementar. Veja-se que o parágrafo sétimo introduzido pela PEC destaca que
os servidores públicos investidos em cargo típico de Estado também poderão
perder seus cargos para o cumprimento do limite, garantindo-lhe garantias
especiais. Os demais servidores, ainda que estáveis na data de hoje, não terão
“garantia especial” alguma.
Não se iluda, servidor.
Você será sim afetado pela redação atual Reforma Administrativa, por
mais que tentem te convencer do contrário.