quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Acolhidos os infringentes e reduzida a pena de José Dirceu, haverá prescrição?



José Dirceu nasceu em 16 março de 46. Tem, portanto, 67 anos e seis meses. Caso a decisão dos embargos infringentes mantenha sua condenação na totalidade, não haverá prescrição. No entanto, se houver redução de pena, tudo muda. Nessa hipótese e se completar 70 anos antes do novo julgamento, será beneficiado pelo art. 115 do CP, como já decidiu o STJ. Eis o dispositivo: 

Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos

Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses, (7 anos e 11 meses por corrupção ativa e 2 anos e 11 meses por formação de quadrilha).  Sua pena pode cair facilmente abaixo dos 08 anos, já que os dois novos integrantes da Corte, Teori Zavascki e Luir Barroso já disseram que gostariam de reduzir as reprimendas. Se a redução ocorrer, quando José Dirceu tiver mais de 70 anos, a prescrição do crime de corrupção se dará em seis anos e o de quadrilha em dois,  nos termos dos arts. 109 e 115, ambos do Código Penal. 

Lembremos: o recebimento da denúncia se deu em 2005. Contado a partir daí, o prazo prescricional foi interrompido somente com a  publicação do acórdão condenatório, em 2013, ou oito anos depois (art. 117, IV, do CP). O tempo transcorrido entre o recebimento da denúncia e a publicação do acórdão é superior, portanto, ao lapso de que Dirceu precisa para ver reconhecida a prescrição. Em outros termos:  basta aos advogados conseguir protelar o julgamento por mais 2,5 anos  e reduzir a pena para que José Dirceu beneficie-se da prescrição retroativa. Como somente o crime de formação de quadrilha será reexaminado, somente esse delito será alcançado pela prescrição.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Os Embargos Infringentes não são cabíveis no julgamento do "Mensalão"



O STF retoma nessa quarta-feira a discussão do cabimento dos embargos infringentes quanto à condenação na ação penal  470, vulgo "Mensalão". Entendamos o debate.

O art. 333 do Regimento Interno do STF determina que cabem embargos infringentes da decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal. São necessários, segundo o parágrafo único do mesmo artigo, no mínimo quatro votos divergentes. A dúvida que se põe é: esse dispositivo que prevê os embargos infringentes ainda está em vigor?

1 - A recepção do Regimento Interno do STF pela CF/88

Sob a égide da CF/69, o STF tinha competência para criar normas de processo penal, o que mudou com a CF/88. Essa, conforme afirmado pelo próprio Supremo, recepcionou as normas sobre processo penal do Regimento Interno com força de lei ordinária (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED).

A recepção não blinda os dispositivos do RISTF contra mudanças por leis que lhe são posteriores.  A Lei 8038/90, que instituiu as regras procedimentais para as ações penais originárias no STF, não previu os embargos infringentes. O RISTF, recepcionado com força de lei ordinária no ponto relativo aos embargos, foi, portanto, tacitamente revogado pela Lei 8038/90. 

2. Da aplicação analógica do CPP e do cabimento dos embargos de declaração e do agravo regimental 

Defensores do cabimento dos embargos sustentam que: a) as previsões do CPP sobre os infringentes, mesmo após a Lei 8038/90, hão de se aplicar analogicamente; b)  os embargos de declaração e o agravo regimental continuam sendo usados, mesmo que a Lei 8038/90 nada tenha dito sobre eles.

Comecemos pela aplicação analógica do CPP. Seu art.  609, ao tratar dos embargos infringentes, dispõe que são cabíveis contra decisão de segunda instância desfavorável ao réu. Não é preciso grande esforço para concluir que os acórdãos do STF que julgam ações penais originárias não se enquadram no conceito de "decisões de segunda instância". Se manifestação judicial nenhuma antecedeu à do Supremo, como essa poderia ser "de segunda instância"?  Lembra, caro e-leitor, do brocardo "ubi eadem ratio, ibi idem jus"(a mesma razão autoriza o mesmo direito")? Pois é.  Consideradas  as condenações do STF em ações originárias e as decisões de segunda instância nos tribunais,  não há mesma razão nem mesmo direito (nesse sentido, RE 144823 / RS, Rel. Min.  Marco Aurélio, julgamento em 17/11/1992). 

2.1 Do Agravo Regimental 

Passemos ao agravo regimental. Muitas das decisões monocráticas do Min. Joaquim Barbosa no curso da instrução foram atacadas por agravo regimental, embora esse não tenha sido previsto expressamente na Lei 8038/90. Dizem, então, os defensores dos infringentes: ora, houvesse havido revogação tácita do regimento pela Lei 8038/90, o regimental não seria cabível. Esquecem-se que o art. 2º da Lei 8038/90 estabelece que o relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução, que se realizará segundo o disposto neste capítulo, no Código de Processo Penal, no que for aplicável, e no Regimento Interno do Tribunal".  É a própria lei que reconhece, nesse ponto, força normativa ao regimento Interno do STF e ao CPP. impossível, portanto, falar-se em revogação quanto às matérias relativas à instrução, aqui incluído o cabimento do regimental. Ademais, o art. 39 da Lei 8038/90 reza que "da decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de Relator que causar gravame à parte, caberá agravo para o órgão especial, Seção ou Turma, conforme o caso, no prazo de cinco dias". Não há absolutamente nenhuma razão para restringir-se o alcance desse artigo às decisões referidas no art. 38, segundo o qual "o Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou, improcedente ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal". Veja-se que o rol de sujeitos emissores de decisões são diferentes. O art. 39 refere-se ao Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma e o Relator. O 38, somente ao Relator. 

2.2. Dos Embargos de Declaração

E quanto aos embargos de declaração?  Estamos aqui diante de hipótese claríssima de aplicação analógica das normas do CPC.  É a mesma Lei 8038/90, no art. 42, quem dá nova redação ao art. 496 do CPC nele mantendo dentre os recursos cabíveis os embargos de declaração. Ao contrário do que ocorre com os embargos infringentes, há aqui mesma razão a fundamentar o aplicação do mesmo direito. A analogia que não era possível, pelos motivos já expostos, quanto aos infringentes o é em relação aos declaratórios.


3. Da jurisprudência do STF

Qual a jurisprudência do STF sobre o tema? Lembremos que estamos a tratar de recurso que em tese poderia ser usado contra condenações em ações originárias no STF.  Tais condenações são fenômeno raríssimo e recente. Mais raros ainda são os infringentes. Não há precedente claro sobre o manejo de infringentes em ações penais originárias do STF. Acalmem-se, amantes da jurisprudência. Há uma luz no fim do túnel: o STF chegou sim a examinar o cabimento dos embargos após a publicação da Lei 8038/90.  Fê-lo ao tratar da Lei 8658/93, que estende a aplicação da Lei 8038/90 aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça. Eis o que decidiu o Supremo:

HC 72.476-SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA. CONDENAÇÃO PROFERIDA POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM AÇÃO PENAL ORIGINARIA - ACÓRDÃO NÃO-UNÂNIME - DESCABIMENTO DE EMBARGOS INFRINGENTES (CPP, ART. 609, PARAGRAFO ÚNICO). - A norma inscrita no art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal não se aplica as hipóteses de condenação criminal, ainda que não-unânime, resultante de ação penal originaria ajuizada perante os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados (Lei n. 8.658/93), eis que os embargos infringentes somente são oponíveis a acórdão proferido em sede de apelação ou de recurso em sentido estrito. Precedentes: HC 71.949 e HC 71.951, Rel. Min. ILMAR GALVÃO.( HC 72465 / SP,  Relator  Min. CELSO DE MELLO, Julgamento:  05/09/1995 (DJ 24/11/1995)         

Essa posição é mais recente do que outra assumida pelo STF sobre o tema. Em "obter dictum", no HC 71124/RJ, de 23.09.94 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence), o Supremo asseverou que os embargos infringentes não seriam cabíveis nos TRFs e no TJ, mas somente no STF. Repito: a afirmação não está no dispositivo, mas em "dicta", ou seja, foi feita lateralmente e não ostenta força decisória. 

4. Da suposta ofensa à Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). 

No art. 8, 2, h, o Pacto de São José da Costa Rica estabelece que toda pessoa acusada de delito em direito a "recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior". Se o STF é a instância máxima da Justiça Brasileira, não há tribunal superior a quem se possa recorrer. Nesse caso, como dizer que o fato do STF não aceitar os embargos ofenderia o Pacto de São José? Adotada essa posição, teríamos que chegar à conclusão que o STF jamais poderia julgar originariamente ninguém. Acrescente-se que a admissão dos embargos infringentes, ao contrário do que se diz, não resolveria eventuais conflitos com o Pacto. É que os embargos só serão admitidos se ao menos quatro ministros divergirem da condenação. O duplo grau, como posto na Convenção Americana de Direitos humanos, não admite tais restrições. Admitidos os embargos, continuaria havendo dificuldades em relação à convencionalidade do tratamento recebido por aqueles que não lograram obter quatro ou mais votos pela absolvição. 


5. Conclusão

Os embargos infringentes, após o advento da Lei 8038/90, não são mais cabíveis nas condenações em ações penais de competência originária do STF.  É equivocado o argumento de que não teria havido revogação tácita do regimento interno pela Lei 8038/90 pelo simples fato de que o agravo regimental e os embargos de declaração continuam a ser cabíveis. Quanto ao primeiro, a Lei 8038/90 ressalvou a força normativa do regimento nesse ponto e previu expressamente o regimental no seu art. 39. Em relação aos últimos, as disposições tocantes aos embargos de declaração no CPP e no CPC são aplicáveis analogicamente às condenações originariamente proferidas pelo STF.

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