segunda-feira, 16 de abril de 2012

A rejeição de contas impedirá candidaturas na eleição de 2012?



No último post vimos que o TSE respeitou a lei ao afirmar na Resolução 23376/2011 que quem teve as contas rejeitadas não poderá obter quitação eleitoral. Sem ela, impossível ser candidato. A dúvida  é: será a norma é  aplicáveljá para eleições de 2012? Em outros termos: quem não teve as contas aprovadas nas eleições de 2010 ou de 2008, está impedido de se candidatar para o pleito desse ano? Verdade seja dita: os precedentes do TSE dizem que não.

A Res.-TSE n° 22.715/2008 - que disciplinou a arrecadação e aplicação de recursos por candidatos e comitês financeiros e a prestação de contas nas eleições municipais -, dispôs, diversamente de sua antecessora, que "a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu". Surgidas dúvidas quanto ao alcance dessa disposição, a questão foi objeto do Processo Administrativo no19.899 (Res.-TSE n. 22.948/2008, Rel. Min. Ari Pargendier), em que se entendeu pela impossibilidade de aplicação dessa nova regra a eleições anteriores a 2008. Decidiu-se que o artigo art. 41, §3º incidiria somente a partir das eleições de 2008. Podemos dizer que o mesmo quadro se vê agora?  Afinal, hoje, como dantes, a resolução que disciplinou as prestações de contas nas eleições anteriores não previu que a rejeição de contas impediria a quitação. Em 2010 e em 2006, a posição do TSE era uma nas resoluções. Em 2008 e em 2012, outra. Tudo leva a crer que haveria impedimento para reconhecer, nas eleições de 2012, que a rejeição de contas afasta a quitação, certo? Errado. Há mais um fato que deve ser levado em conta: o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa pelo STF em 2012.
 
Ao exercer o controle concentrado sore a LC 135/2010, o Supremo Tribunal Federal explicitou que candidato não tem direito a regime jurídico anterior. De fato, sequer há regime novo no caso em pauta. Afinal, a Resolução 23376/2011 não inova em relação à Lei 9504/97. Nem poderia fazê-lo. O que o TSE está a executar é uma correção de rumos, dando à norma do art. 11, §7º, o alcance que ela sempre deveria ter tido, afastando a restrição que acabava por tornar quase irrelevante a rejeição de contas. É possível haver interpretação que gera como resultado a ineficácia quase absoluta de normas jurídicas? É claro que não.

Tem mais. Estamos diante de resolução que regula as eleições de 2012. Se adotada a posição de que o efeito da rejeição quanto à quitação deve valer somente para as eleições de 2014, a norma de que tratamos não terá eficácia nunca. Explico. Historicamente, a cada eleição nova resolução sobre o tema prestação de contas é editada. A resolução atual regulamenta eleições municipais, enquanto que as próximas eleições envolverão cargos federais e estaduais. Fatalmente, as eleições 2014 serão regidas por resolução diversa da atual. Assim, se a resolução para as eleições de 2012 não valer para os registros de candidatura de candidatos a prefeito e a vereador, não valerá nem em 2014 nem nunca,  pois na próxima eleição ela não estará mais vigente.

O TSE foi provacado a dizer expressamente se a norma que afirma que a desaprovação impedirá a quitação será aplicada nas eleições de 2012. Apesar de toda a argumentação que expus, creio que o TSE  responderá negativamente à questão. A razão disso é que em breve a composição do TSE mudará, e a norma em pauta foi aprovada pela mais apertada das votações: 4x3. Alterados os ministros,  a posição do TSE deve mudar. O que não muda é a inutilidade quase completa das prestações de contas.

O TSE errou ao dizer que a rejeição de contas impedirá a candidatura?

 Partidos e candidatos devem prestar contas à Justiça eleitoral expondo a receitas e gastos da campanha eleitoral. Quem se negasse a prestá-las não poderia obter quitação eleitoral necessária à candidatura. Porém, quem as apresentasse e tivesse as contas rejeitadas, por maiores que fossem os vícios nelas presentes, teria direito à quitação. Concorda com esse tratamento, e-leitor? Não? Boas novas:  para as eleições de 2012, o TSE modificou a regulamentação da matéria. 
     
     A Resolução 23376/2011 determina  que a rejeição das contas impedirá a obtenção da quitação eleitoral (art. 52, §2º), sem a qual não é possível ser candidato. Quem teve as contas rejeitadas já está sendo chamado de “contas-sujas”(ecos da Lei da Ficha Limpa...)  O impedimento de quitação em virtude de rejeição de contas previsto na Res. 23376/2011 correponde à mudança de 180 graus em relação à recente jurisprudência do TSE.  
     No RESPE 153164-MT, por exemplo, o TSE, por 4x3, afirmou que “o § 7º do artigo 11 da Lei nº 9.504/1997, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.034/2009, inovou, no que tange à quitação de obrigações eleitorais, ao dispor que a mera apresentação de contas de campanha eleitoral bastaria para a expedição de certidão de quitação eleitoral”. Acrescentaram os ministros que “a desaprovação ou a não oportuna apreciação das contas não poderiam acarretar falta de quitação eleitoral, a impedir o registro de candidatura a novo cargo eletivo”.  
     Eis o teor do dispositivo que fundamentou o julgado: 
§ 7o A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.  
     A posição de que rejeição de contas não impediria obtenção de quitação baseia-se no fato de que o artigo afirma que a certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente “a apresentação de contas de campanha eleitoral". Os críticos dizem que, com a nova Resolução,  o TSE desrespeitou os limites de seu poder normativo, pois seria impossível em resolução agregar à desaprovação o mesmo efeito dado pela Lei 9504/97 exclusivamente à não apresentação. Ocorre que a legislação não tem esse restritíssimo alcance que lhe foi dado nos julgamentos acima. Vejamos.   
     Não podemos esquecer que o direito, como toda linguagem, é um sistema de elementos coerentes que guardam entre si relação de não contradição. É absolutamente incoerente considerar a que a não apresentação de contas poderia impedir a quitação e a desaprovação não. É que naquela sequer se comprovou efetivamente que vício severo ocorreu, o que ocorre nos procedimentos de prestação de contas findados com decisão de rejeição.   
     Há mais. Na rejeição de contas, o candidato  pode ser punido com sanções que não atingirão quem não as prestar no momento adequado, como o recolhimento ao fundo partidário dos valores oriundos de fontes vedadas. Afinal, aquele que teve as contas declaradas não prestadas e depois as apresenta à Justiça Eleitoral, terá a situação regularizada para a próxima legislatura.   
     Nota-se que a rejeição é sancionada mais severamente que a não apresentação. Parece, diante desse quadro, evidente que a carga valorativa negativa a ser dada à rejeição é maior que à não apresentação. Por isso, descabido presumir que o efeito quanto à obtenção da quitação viria somente para quem não prestasse contas. 
     Na realidade,  em benefício da coerência do sistema, o art. 11, § 7o da Lei 9504/97 há de ser interpretado em conjunto o art. 30, o qual assevera que “A Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas de campanha”Nesse ponto, precisas as lições do Min. Marco Aurélio ao referir-se ao art. 11, § 7o no seu voto no RESPE 153164MT, acompanhado por Lewandowsky e Nancy Aldrigh. Afirmou ele que a referência à apresentação de contas é feita não apenas para se atender a um apecto formal, mas para se perquerir sobre a harmonia ou não dessas contas com o ordenamento jurídico. E arrematou:
"É possível afirmar, potencializando-se apenas o aspecto formal em detrimento do fundo, ser suficiente dirigir-se ao protocolo da Justiça Eleitoral e apresentar contas, pouco importando a boa ou a má procedência delas? A finalidade da norma não é essa, a menos que também se assente que, apresentadas as contas, haja o exaurimento do dever do candidato, sem a necessidade sequer do pronunciamento da Justiça Eleitoral sobre a regularidade (…) Senhor Presidente, não consigo emprestar ao § 70do artigo 11 da Lei n° 9.50411997 sentido limitativo quanto aos elementos conducentes a obter-se a certidão de quitação eleitoral. A rejeição das contas está compreendida no preceito como fator determinante para não se alcançar a certidão de quitação. A referência a esta, contida no início do preceito, norteia o alcance da parte final, da expressão "apresentação de contas".
      Vê-se que a nova Resolução não inovou em nada ao dar à rejeição o mesmo efeito da não apresentação. Simplesmente trouxe exigência já prevista em lei. Não há que se falar, portanto, em extrapolamento dos limites do poder normativo pelo TSE.  A dúvida que se põe agora é: a exigência valerá já para as eleições de 2012? Ou as rejeições de contas gerarão efeitos só em 2014? Veremos isso no próximo post. 

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Se Demóstenes renunciar, ficará inelegível por 15 anos.

A situação do Senador Demóstenes Torres se complica a cada dia com o escândalo "Carlinhos Cachoeira".  Em outros tempos, poderia renunciar, esperar a poeira baixar, e partir para a disputa de outro mandato. Agora, na era pós-Lei da Ficha Limpa, não mais. Se resolver abandonar sua cadeira no Senado, só poderá retomá-la daqui a 15 anos, quando acabará o período de inelegibilidade. Uma quinzena de anos no ostracismo é mais que suficiente para fazer  sua carreira política ir por água abaixo. Acha que isso é "cascata", caro e-leitor? Não, não é. 

Segundo o art. 1°, I, k, da LC 64/90, com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa(LC 135/2010), são inelegíveis os políticos que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal(...) para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura. 

 Foi protocolada, pelo PSOL, representação no Senado contra Demóstenes. O Senado iniciou o procedimento apuratório no dia 10 de abril. Para que incida a inelegibilidade era necessária a abertura de procedimento administrativo pela casa legislativa? Não. A interpretação das normas da Lei das Inelegibilidades é orientada pelo norte traçado no art. 14, §9º, da CF: as inelegibilidades buscarão proteger a probidade, a moralidade, a normalidade e a legitimidade das eleições. Em respeito a ele, impossível a criação de requisitos para configuração da inelegibilidade não previstos em lei. E essa faz referência tão somente à petição apta a abrir o processo.

Mas qualquer petição apresentada gerará a inelegibilidade? Em verdade, a inelegibilidade estará afastada se houver decisão do órgão julgador afirmando que a petição não preenche os requisitos mínimos para a abertura do procedimento. Caso contrário, inelegibilidade haverá. .

Tem mais. Fazer a exigência de abertura de processo é igualar inelegibilidade prevista no 1°, I, k, da LC 64/90do,  quanto aos parlamentares, com a do art. 1º, I, b, o qual torna inelegível aquele que perder o mandato por ofensa à constituição ou lei orgânica. Afinal, a CF/88, no art. 55, § 4º, suspende os efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato até o julgamento. Tratou igualmente, portanto, a CF, a perda do mandato sem renúncia e a perda do mandato com renúncia após a instauração do procedimento: ambas geram inelegibilidade. Se a renúncia após a abertura do procedimento segundo a alínea b já geraria inelegibilidade, não se pode imaginar que a alínea k teria o mesmo conteúdo. A igualação dos conteúdos das alíneas, por óbvio, torna desprovida de eficácia uma delas. É correto interpretar norma protetiva de princípios constitucionais de forma a reduzir-lhe a eficácia? Claro que não.

Lembremos que nada impede que as casas legislativas tratem como quiserem a decisão sobre o recebimento da representação e a consequente abertura do processo. Consoante o Regimento do Senado(art. 32), as representações primeiro passam pela Comissão de Constituição de Justiça, que emite seu parecer. Depois disso, o Plenário vota pela admissão ou não da representação (art. 33). Não há prazo para o fim desse procedimento. Por óbvio, não atende ao desiderato da Constituição e da LC 64/90 a possibilidade do Poder Legislativo postergar o quanto quiser a decisão o recebimento da representação. Por isso, outra não pode ser a interpretação acerca do dispositivo além daquela aqui já exposta: protocolada a representação, a renúncia originará inelegibilidade. 


Demóstenes Torres foi reeleito em 2010 e tomou posse em 01 de fevereiro de 2011. Seus oito anos de mandato findariam em  31 de janeiro de 2019. Acrescentemos mais 08 anos de inelegibilidade a esse período como determina a LC 135/2010 e chegaremos à seguinte conclusão: o novo Demóstenes, pós-renúncia, só debutaria nas eleições em 15 anos, no ano 2027. 


Aqueles que renunciam ao mandato antes mesmo da abertura do processo de cassação dão a impressão ao eleitor de terem navegado em rios muito turvos. Pelo visto,  graças à Lei da Ficha Limpa,  sairão dessas águas para uma longa obscuridade. 

Linkwithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...