quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Incide o teto constitucional do Art. 37, XI quanto ao Benefício Especial?

 

 

A questão tem atormentado os servidores a administração pública. Deve-se respondê-la analisando a natureza jurídica do BE. Tendo esse em vista, a resposta há de ser negativa, afinal, a natureza do Benefício Especial é incompatível com a limitação ao teto constitucional, como se verá.  

Começo destacando que a discussão jurídica é sempre limitada pelo texto jurídico. É ele e somente ele quem definirá qual a natureza jurídica do benefício especial e as normas que lhe serão aplicáveis. Não se define primeiro a natureza para depois saber qual regra jurídica se aplicará ao benefício. O caminho a ser feito é o inverso. No momento inicial, verifica-se como o ordenamento trata o benefício especial. Posteriormente, define-se a classificação, ou a natureza jurídica, que receberá. Consideremos, para defini-la, a coerência do sistema jurídico - para usar a linguagem de Neil MacCormick e Norberto Bobbio -  ou a característica que o sistema ostenta de ter elementos que guardem entre si relação de não contradição ou compatibilidade. Ver-se-á que tendo o ordenamento como norte, é difícil qualificar o benefício especial como remuneração limitada ao teto do art. 37, XI. 


O direito ao benefício especial nasce como eficácia da manifestação expressa  e irrevogável de vontade do servidor público, geradora de eficácia dúplice: a) uma imediata, consistente na migração de regime e consequente submissão ao teto do RGPS e diminuição da base de cálculo de contribuição previdenciária; b)  outra protraída, que corresponde ao recebimento do benefício especial caso o servidor se aposente pelo regime de previdência da União.  Feita a opção, calcula-se o benefício especial, como determina o art. 3º da Lei 12618/12. Desse momento em diante, o benefício especial passa a ser reajustado pelo INPC e percebido no momento da aposentadoria.O art. 3o , § 8o  da Lei 12681/16, que define o benefício especial, assevera que "o exercício da opção a que se refere o inciso II do caput é irrevogável e irretratável, não sendo devida pela União e suas autarquias e fundações públicas qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre a base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo". Ora se nada será pago como contrapartida relativa ao valor dos descontos sobre base superior ao teto do RGPS, evidente que o benefício especial não nasce desse ato. E se não nasce de contribuições previdenciárias, obviamente não há de ser considerado benefício previdenciário. 
 
Dois pontos reforçam a tese: a) o servidor perderá o direito ao benefício especial caso deixe o regime da União; b)  os benefícios do regime próprio de previdência social são, conforme o art. 5º  da Lei 9.717/98, os mesmos do RGPS. Nesse, não há nada semelhante ao benefício especial.


Ainda no que toca à manifestação de vontade, o art. 2º, parágrafo único da Lei 8666/91, aplicável analogicamente à hipótese, determina que considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre administração pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. No caso em pauta, há contrato de adesão e uma relação sinalagmática entre servidor e a União.  De um lado, o servidor terá como vantagem o recebimento do benefício especial e a redução da contribuição. A União, de seu turno, terá como vantagem o fato de não precisar pagar a contribuição de 22% sobre o subsídio do servidor, que lhe são exigidos hoje(art. 8o da Lei 10887/04). Em vez disso, pagará somente 22% sobre o teto do RGPS. 

Ademais, a União alega não ter lastro financeiro para pagar esses 22%, o que a obriga a, para honrá-los,  emitir títulos da dívida pública federal, remunerados de uma de três maneiras: a) por Selic; b) por um combinação de IPCA e taxa pré-contratada; c) por uma taxa pré-fixada. O benefício especial é reajustado pelo INPC e só será pago se o servidor se aposentar pelo regime da União. Logo, a União troca uma dívida presente, certa e reajustada por Selic - os 22% que deveria pagar -  por outra futura, incerta e reajustada pelo INPC(o benefício especial), índice muito menor que os usados para remunerar os que emprestam dinheiro à União. A incerteza do pagamento nasce das possibilidades do servidor não se aposentar na União, exonerar-se, ou falecer sem deixar herdeiros necessários. Em qualquer dessas circunstâncias, não será necessário à União pagar o benefício especial.


Com a opção do servidor pela migração, nasce ato jurídico perfeito  - conceito agora expressamente aplicado ao BE pela Lei 14463/2022 - cuja eficácia é dúplice: a) a submissão ao teto do RGPS ; b) o direito ao benefício especial, cujo gozo depende  da  aposentadoria. Temos aqui o conceito firmado no art. 6º , § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual  reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Modificar o benefício especial, após a manifestação do servidor pela migração – a qual é irrevogável e irretratável, segundo o art. 3º da Lei 12618/12 – é ignorar a proteção conferida ao ato jurídico perfeito pelo art. 5º, XXXVI da CF e chancelar desrespeito à boa-fé objetiva. Afinal, permitir-se-ia ao Estado tirar proveito da migração – já que seus custos serão reduzidos – e não dar cumprimento à oferta que motivou o servidor a migrar.  

 Importante lembrar que o STF, na Súmula Vinculante 1, decidiu que  “ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001”. Nesse acordo, o trabalhador aceitava determinada complementação de correção monetária nas contas vinculadas. Alguns, porém, tentaram ainda discuti-la em juízo. Para o STF, o acordo, concretizado por meio de adesão, impedia a discussão em virtude da proteção conferida pelo ato jurídico perfeito. Ora, se à adesão ao acordo do FGTS reconheceu-se a eficácia própria do ato jurídico perfeito, a mesma postura se espera do STF em relação à adesão à migração com recebimento de benefício especial. A imutabilidade do benefício especial parece afastar-lhe ainda mais da natureza de mero elemento de regime jurídico previdenciário.

 Acrescente-se que a migração não leva o servidor, ao contrário do que usualmente se diz, a regime de previdência novo. O regime é exatamente o mesmo – o RPPS - mas com a limitação do valor do benefício previdenciário ao teto do RGPS. Se não se cria regime previdenciário novo, seria possível considerar que haveria novo benefício previdenciário, o benefício especial? Parece mais respeitoso à coerência do ordenamento considerar que o benefício especial de previdenciário pouco tem.

Os que defendem tese oposta poderiam dizer que o benefício especial é previdenciário porque só é usufruído na aposentadoria e é calculado segundo o tempo de contribuição. Quanto ao primeiro ponto, essencial lembrar que embora o gozo se dê na aposentadoria, a aquisição do direito ocorre na migração. Já quanto ao segundo, os critérios de cálculo pouco importam na definição das normas a serem aplicadas. Veja-se que o legislador poderia perfeitamente ter usado critérios sem nenhuma relação com o tempo usado para aposentadoria. Basta lembrar que fosse alterado o tempo de aposentadoria via emenda constitucional, a forma de cálculo do benefício especial não sofreria alterações, salvo se modificada também a lei que a prevê. Até o dia 30 de novembro de 2022, por força da MP 1119/22 convertida na Lei 14463/2022, os critérios de cálculo do BE repetem parâmetros da EC 41, e não da EC 103, que a revogou.
 
Por fim, o benefício especial não se confunde com a aposentadoria. A uma, porque nasce de contrato entre servidor e União. A duas,  o servidor perderá completamente o direito a ele ao trocar o regime de previdência da União por outro. A três,  a aposentadoria será gozada junto com o benefício especial e a ninguém é dado usufruir duas aposentadorias pelo mesmo vínculo estatutário. A quatro, porque não há nada semelhante ao Benefício Especial no RGPS, e, por força da Lei, só se pode pagar aos usuários do RPPS benefício pago aos do RGPS, consoante a Lei 9717/98 e 10887/04. A quatro porque,  diversamente da aposentadoria e de qualquer outro benefício previdenciário, é calculado, ao menos para parte da doutrina, no momento da migração, ou seja previamente à aposentadoria, e depois reajustado pelo INPC até ser pago quando o servidor se aposentar. Além dessa necessidade de cálculo prévio ser inerente ao equilíbrio da relação sinalagmática, a lei 12618/12  no art. 3º, parágrafos quinto e sexto, distingue entre o benefício especial calculado e o benefício especial pago. Não há, portanto, qualquer possibilidade de se afirmar existente relação de acessoriedade entre aposentadoria e o benefício especial que poderia levar à conclusão errônea de que esse ostenta caráter previdenciário e não civil.

 Vê-se, pois, que as marcantes diferenças entre o benefício especial e os previdenciários não permitem inclui-lo no rol desses. Se isso for feito, é necessário destacar a imutabilidade dada pela proteção ao ato jurídico perfeito. Haveria características previdenciárias, nascidas da forma de cálculo, mas não a propensão à mudança a que sujeito os elementos do regime jurídico previdenciário".  
 
 

A posição aqui externada foi adotada pela Advocacia-Geral da União que cita expressamente trecho do artigo de minha autoria sobre o tema. O parecer da AGU, nos Processo 03154.004642/2018-50, foi aprovado pelo presidente da República em 27/05/2020 para os fins  do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73 (DOU, n. 100, Seção1, p. 118). Reza o dispositivo que "o parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento".

 

Como se vê, a natureza do benefício especial é de indenização (ou compensão, nos termos da do parecer da AGU) civil, nascida de contrato firmado entre servidor e União. O art. 40, § 11, da Constituição Federal reza que "aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo". O benefício especial não se enquadra na categoria proventos de atividade. Sequer é remuneratório, o que o torna indiferente às restrições do art. 37, XI, da CF que abarca "outra espécie remuneratórias".  Sobre ele não incide contribuição previdenciária, o que o afastaria da categoria "proventos de outras atividades sujeita a contribuição" Isso significa que não se aplica ao benefício especial a tese fixada pelo STF ao analisar  o tema de repercussão geral 359. Ei-la: 


"Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional nº 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor".

Possibilitar que se pague o Benefício Especial em valor diverso do contratado com a União, sob o argumento de que se estaria respeitando o teto do art. 37, XI, seria ofender frontalmente a garantia do ato jurídico perfeito. O princípio pacta sunt servanda também se aplica contra o Estado , o qual há de se comportar com boa-fé diante do administrado, como decorrência do princípio da moralidade no art. 37, caput da Carta de 88. Considera-se a boa-fé um elemento dessa última derivado. Inserir a marteladas o conceito de benefício especial no espectro coberto pelo art. 37, XI  para permitir não é, com a devida vênia, solução jurídica razoável. O art.37, XI  não é instrumento apto a livrar a União do cumprimento de suas obrigações contratuais.
 
A conclusão acima exposta é contrária ao parecer da Secretaria de Fiscalização de Integridade de Atos e Pagamentos do Pessoal e de Benefícios Sociais do TCU, nos autos da Representação 036.627/2019-4. Com a devida vênia, ao nominar o benefício especial de benefício previdenciário sui generis para justificar a incidência do teto, a Secretaria acaba se desviando da legislação pertinente, como acima demonstrado  num momento crucial para os servidores públicos. Contraditoriamente, a mesma SEFIPE afirma não incidir o teto quanto ao pagamento dos pensionistas. Chegar-se-á ao inusitado da viúva receber valores maiores que o aposentado em vida, já que seu BE,  não sofre os cortes dos postos na EC 103 para o cálculo da pensão e será sempre recebido integralmente.  
 
 Por fim, os defensores da tese aposta poderiam afirmar que o BE constitui-se em vantagem pessoal referida no art. 37, XI, que estabelece o teto constitucional. Tal entendimento está equivocado. O conceito de vantagem pessoal relaciona-se a retribuição rotineira percebida pelo titular de um cargo em razão do exercício do seu cargo atual ou de cargo diverso, não a negócio jurídico com caráter sinalagmático. Imaginar o contrário seria pensar que servidores que recebessem valores atrasados, seja no contracheque, seja no precatório, o teriam submetido ao teto constitucional. Ou que verbas indenizatórias estariam a ele sujeito. É preciso reconhecer que o fato do BE ser condicional - só será pago se o servidor se aposentar pela União - não lhe retira o caráter indenizatório. Tampouco o fato de de  servidor e a União assumirem riscos recíprocos quanto aos valores a serem pagos. Afinal, aquele pode receber muito menos do que os valores de contribuição pagos acima do teto do RGPS - basta não se aposentar pela União ou falecer pouco tempo depois de se aposentar sem deixar dependentes-  e essa se arrisca a pagar mais, já que o BE é vitalício. A cláusula condicional não transmuda a natureza do pagamento da indenização, afinal, é acessória a ela. 

Ante o exposto, conclui-se que o teto remuneratório do art. 37, XI da CF/88 não incide sobre o Benefício Especial, sob pena de se permitir o locupletamento ilícito da União e a ofensa ao ato jurídico perfeito.
 
 
 

sábado, 5 de novembro de 2022

Como calcular o fator de conversão do BE dos integrantes das carreiras policiais federais?

 

        Um dos elementos do cálculo do benefício especial é o fator de conversão. Definido pelo art. 3, § 3º, da Lei 12618/12, com a redação dada pela 14.463/2022, ele corresponde, ordinariamente,  a uma proporção entre a quantidade de contribuições do servidor em meses e divisores diversos a depender da categoria a que ele pertença: a) 455, se for homem, titular de cargo efetivo da União ou por membro do Poder Judiciário da União, do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público da União ou da Defensoria Pública da União; b) 390, se mulher ocupante dos mesmos cargos citados; c) 325, se mulher e professora de educação infantil ou ensino fundamental; d) 390, se homem e professor do educação infantil ou ensino fundamental. 

        Tomemos o meu caso como exemplo. Tenho, hoje, 18 anos e 4 meses de contribuição. O numerador - o "Tc" na expressão usada na Lei 12618/12 -, de meu fator de conversão seria 18*13+4, ou 238. Como sou  membro do Poder Judiciário Federal, meu denominador, ou "Tt", seria de 455, nos termos do art. 3º, § 3º, III, "a", da Lei 12618/12. Logo, meu fator de conversão equivaleria a 238:455, ou 0,52. Caso fosse professor de educação infantil, o divisor seria de 390, o que faria meu TC ser de 238:390, ou 0,61.

        Se o art. 3º, § 3º, da Lei 12618/12 privilegia professores de educação infantil ou ensino fundamental ao prever expressamente denominadores reduzidos para seus Tcs, o parágrafo § 4º do mesmo dispositivo traz regra geral de ajuste dos TCs aos detentores de aposentadoria especial, como os policiais. Reza o dispositivo o seguinte, na redação dada pela Lei 14.463/2022: 

§ 4º Para os termos de opção firmados até 30 de novembro de 2022, inclusive na vigência da Medida Provisória nº 1.119, de 25 de maio de 2022, o fator de conversão será ajustado pelo órgão competente para a concessão do benefício quando, na forma prevista nas respectivas leis complementares, o tempo de contribuição exigido para concessão da aposentadoria de servidor com deficiência, ou que exerça atividade de risco, ou cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, for inferior ao Tt de que trata a alínea “a” do inciso III do § 3º deste artigo.  

        Note-se que o  § 4º determina que o fator de conversão seja ajustado quando, na forma prevista nas respectivas leis complementares, o tempo de contribuição exigido para concessão da aposentadoria seja inferior aos tts - os denominadores - da alínea "a" do inciso III do § 3º. Essa se refere a "Tts" de 455 para homens, 390 para mulheres e homens professores, e 325 para mulheres professoras. É evidente que o parágrafo quarto , ao utilizar a expressão " inferior ao Tt", refere-se aos Tts da regra geral, 455 para homens e 390 para mulheres, e não 325. Adotada interpretação diversa, inviabilizar-se-ia o ajuste do FC para as categorias qualificadas a receber a aposentadoria especial, como pessoas com deficiência. Haveria evidente ofensa à isonomia com desprezo a fatores geradores de diferenciação e violação a normas supralegais como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada pelo Decreto 6949/09.

        Tendo isso em vista, teríamos que policiais fazem jus ao ajuste no fator de conversão. A dúvida que assola a administração e parte dos servidores é: como é que o FC será ajustado?

    Por primeiro, destaquemos que o BE não é previdenciário, mas compensatório/indenizatório[1] e tem natureza civil, como posto no Parecer n. 00093/2018/DECORJCGU/AGU. Logo, descabida a extensão ao fator de conversão de quaisquer restrições impostas à aposentadoria especial como feita pela EC 103 , cujos arts. 25 § 2º e 10§ 3º vedam a conversão de tempo especial em comum.  A propósito firmou o STF no Tema 942 a seguinte tese:

  “Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República".

        Em segundo lugar, há de se ter em conta ao fazer o ajuste que o parágrafo quarto  do art. 3º da Lei 12618/12 utiliza a expressão "quando na forma prevista nas respectivas leis complementares". Ao fazê-lo, determina que as leis complementares que tratam das aposentadorias especiais devem ser utilizadas como parâmetro a ser seguido para o ajustar do fator de conversão.

Quanto aos policiais federais que pleiteiam a migração,  a regulamentação de como se fará o ajuste é dada pela LC 51, sede das  normas que regem a aposentadoria desse grupo. Seu art. 1º determina que: a) o policial homem será aposentado "após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial "; b) a policial mulher, "após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial".  

Note-se que não basta à aposentadoria o cumprimento de tempo reduzido de contribuição em relação às regras gerais, mas o preenchimento de requisito especial consistente no tempo de exercício de cargo de natureza estritamente policial. Deve-se, portanto, fazer refletir tanto um quanto outro requisito no cálculo do Benefício Especial para que se realize o ajuste previsto no art. 3º, §4º da Lei 12.618/12 com a redação dada pela Lei 14463/22. E como fazer isso? Aplicando ao tempo de atividade estritamente policial um multiplicador que reflita a redução de tempo prevista na lei complementar. No caso dos homens, esse multiplicador equivaleria a 455/390, ou 1,166666667, sendo 455 o número de contribuições exigidas na regra geral de aposentadoria para homens que se aposentavam com 35 anos de contribuição antes da EC 103 ; e 390 a quantidade de  contribuições requerida pela LC 51.  Para mulheres, pelas mesmas razões, o multiplicador seria de 390/325, ou 1,2.  

Imaginemos um policial que tenha 5 anos como técnico judiciário e 10 anos como integrante da polícia. Nesses períodos foram pagas, respectivamente, 65 e 130 contribuições. Como será calculado o BE dele? Primeiro, multiplicam-se as 130 contribuições em atividade estritamente policial por 1,166666667; em seguida, soma-se o resultado às 65 contribuições como técnico. O resultado da soma descrita será dividido por 455. Temos, então, o seguinte: 

(65 + 130*1,166666667)/455 = 0,4719

O fator de conversão, portanto, desse policial será 0,4719.

Note-se que há aqui espécie de conversão das contribuições como policial em contribuições comuns. Lembremos novamente, que não se aplicam ao benefício especial as proibições de conversão do tempo vigentes para a aposentadoria, já que o BE não é instituto previdenciário.

Por que não se deve simplesmente aplicar ao fator de conversão dos policiais um denominador (ou Tt) de 390 ou 325, valores que refletem o tempo de contribuição exigido na LC 51 para homens e mulheres, respectivamente? Tal providência ignoraria o peso dado pela Lei Complementar 51 ao tempo de contribuição estritamente policial. Seriam geradas iniquidades como a seguinte: um integrante das forças policiais com 25 anos de contribuição em atividade de natureza estritamente policial e outro com 24 anos e 11 meses no exercício do cargo de técnico judiciário e apenas um mês como policial teriam fatores de conversões idênticos. Há evidente ofensa à isonomia nessa hipótese. Para se evitar tal violação e preservar coerência do ordenamento, o ajuste requerido pelo art. 3º, §4º é aquele que premia os que exerceram a atividade especial de acordo com o tempo que nela permaneceram, e não o que iguala servidores em situações díspares. 

Para um policial que tivesse apenas tempo em atividade estritamente policial, seria possível usar o número de contribuições como policial dividido por 390, montante correspondente às contribuições em 30 anos. Desnecessária, aqui, qualquer conversão. Note-se que o resultado seria idêntico àquele nascido da multiplicação do tempo por 1,166666667 e a posterior divisão por 455. Vejamos o cálculo do fator de conversão de um policial com 20 anos de contribuição em atividade estritamente policial feito das duas maneiras citadas:  

I) 20*13/390 = 260/390 = 0,66666667

II) 20*13*1,166666667/455 = 303/455 = 0,66666667

Do exposto, conclui-se que o ajuste no fator de conversão dos policiais previsto no  § 4º do art. 3º da Lei 12.618/12 considerará os dois requisitos previstos na LC 51, quais sejam: a) o tempo de contribuição geral ; b) o tempo de atividade estritamente policial. Para tanto, basta aplicar os multiplicadores citados a esse último tempo, somá-lo com o tempo comum e dividir o resultado por 390 para mulheres e 455 para homens. 

 

[1] TENÓRIO, Rodrigo. 2 ed. Regime de previdência: é hora de migrar? Amazon, 2020.  


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Da não incidência do teto do serviço público sobre o benefício especial

 

 

 Aproveitarei texto já escrito por mim sobre a natureza do benefício especial para tratar da questão da incidência do teto do serviço público. Eis o que disse em post anterior sobre o BE:

 

"A discussão jurídica é sempre limitada pelo texto jurídico. É ele e somente ele quem definirá qual a natureza jurídica do benefício especial e as normas que lhe serão aplicáveis. Não se define primeiro a natureza para depois saber qual regra jurídica se aplicará ao benefício. O caminho a ser feito é o inverso. No momento inicial, verifica-se como o ordenamento trata o benefício especial. Posteriormente, define-se a classificação, ou a natureza jurídica, que receberá. Consideremos, para defini-la, a coerência do sistema jurídico, ou a característica que o sistema ostenta de ter elementos que guardem entre si relação de coerência, ou de não contradição. Ver-se-á que tendo o ordenamento como norte, é difícil qualificar o benefício especial como parte de regime jurídico previdenciário e portanto sujeito à alteração após a migração.


O direito ao benefício especial nasce como eficácia da manifestação expressa  e irrevogável de vontade do servidor público, geradora de eficácia dúplice: a) uma imediata, consistente na migração de regime e consequente submissão ao teto do RGPS e diminuição da base de cálculo de contribuição previdenciária; b)  outra protraída, que corresponde ao recebimento do benefício especial caso o servidor se aposente pelo regime de previdência da União.  Feita a opção, calcula-se o benefício especial, como determina o art. 3º da Lei 12618/12. Desse momento em diante, o benefício especial passa a ser reajustado pelo INPC e percebido no momento da aposentadoria.O art. 3o , § 8o  da Lei 12681/16, que define o benefício especial, assevera que "o exercício da opção a que se refere o inciso II do caput é irrevogável e irretratável, não sendo devida pela União e suas autarquias e fundações públicas qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre a base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo". Ora se nada será pago como contrapartida relativa ao valor dos descontos sobre base superior ao teto do RGPS, evidente que o benefício especial não nasce desse ato. E se não nasce de contribuições previdenciárias, obviamente não há de ser considerado benefício previdenciário. 
Dois pontos reforçam a tese: a) o servidor perderá o direito ao benefício especial caso deixe o regime da União; b)  os benefícios do regime próprio de previdência social são, conforme o art. 5º  da Lei 9.717/98, os mesmos do RGPS. Nesse, não há nada semelhante ao benefício especial.


Ainda no que toca à manifestação de vontade, o art. 2º, parágrafo único da Lei 8666/91, aplicável analogicamente à hipótese, determina que considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre administração pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. No caso em pauta, há contrato de adesão e uma relação sinalagmática entre servidor e a União.  De um lado, o servidor terá como vantagem o recebimento do benefício especial e a redução da contribuição. A União, de seu turno, terá como vantagem o fato de não precisar pagar a contribuição de 22% sobre o subsídio do servidor, que lhe são exigidos hoje(art. 8o da Lei 10887/04). Em vez disso, pagará somente 22% sobre o teto do RGPS. 

Ademais, a União alega não ter lastro financeiro para pagar esses 22%, o que a obriga a, para honrá-los,  emitir títulos da dívida pública federal, remunerados de uma de três maneiras: a) por Selic; b) por um combinação de IPCA e taxa pré-contratada; c) por uma taxa pré-fixada. O benefício especial é reajustado pelo INPC e só será pago se o servidor se aposentar pelo regime da União. Logo, a União troca uma dívida presente, certa e reajustada por Selic - os 22% que deveria pagar -  por outra futura, incerta e reajustada pelo INPC(o benefício especial), índice muito menor que os usados para remunerar os que emprestam dinheiro à União. A incerteza do pagamento nasce das possibilidades do servidor não se aposentar na União, exonerar-se, ou falecer sem deixar herdeiros necessários. Em qualquer dessas circunstâncias, não será necessário à União pagar o benefício especial.


 Com a opção do servidor pela migração, nasce ato jurídico perfeito cuja eficácia é dúplice: a) a submissão ao teto do RGPS ; b) o direito ao benefício especial, cujo gozo depende  da  aposentadoria. Temos aqui o conceito firmado no art. 6º , § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual  reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Modificar o benefício especial, após a manifestação do servidor pela migração – a qual é irrevogável e irretratável, segundo o art. 3º da Lei 12618/12 – é ignorar a proteção conferida ao ato jurídico perfeito pelo art. 5º, XXXVI da CF e chancelar desrespeito à boa-fé objetiva. Afinal, permitir-se-ia ao Estado tirar proveito da migração – já que seus custos serão reduzidos – e não dar cumprimento à oferta que motivou o servidor a migrar.  

 Importante lembrar que o STF, na Súmula Vinculante 1, decidiu que  “ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001”. Nesse acordo, o trabalhador aceitava determinada complementação de correção monetária nas contas vinculadas. Alguns, porém, tentaram ainda discuti-la em juízo. Para o STF, o acordo, concretizado por meio de adesão, impedia a discussão em virtude da proteção conferida pelo ato jurídico perfeito. Ora, se à adesão ao acordo do FGTS reconheceu-se a eficácia própria do ato jurídico perfeito, a mesma postura se espera do STF em relação à adesão à migração com recebimento de benefício especial. A imutabilidade do benefício especial parece afastar-lhe ainda mais da natureza de mero elemento de regime jurídico previdenciário.

 Acrescente-se que a migração não leva o servidor, ao contrário do que usualmente se diz, a regime de previdência novo. O regime é exatamente o mesmo – o RPPS - mas com a limitação do valor do benefício previdenciário ao teto do RGPS. Se não se cria regime previdenciário novo, seria possível considerar que haveria novo benefício previdenciário, o benefício especial? Parece mais respeitoso à coerência do ordenamento considerar que o benefício especial de previdenciário pouco tem.

Os que defendem tese oposta poderiam dizer que o benefício especial é previdenciário porque só é usufruído na aposentadoria e é calculado segundo o tempo de contribuição. Quanto ao primeiro ponto, essencial lembrar que embora o gozo se dê na aposentadoria, a aquisição do direito ocorre na migração. Já quanto ao segundo, os critérios de cálculo pouco importam na definição das normas a serem aplicadas. Veja-se que o legislador poderia perfeitamente ter usado critérios sem nenhuma relação com o tempo usado para aposentadoria. Basta lembrar que fosse alterado o tempo de aposentadoria via emenda constitucional, a forma de cálculo do benefício especial não sofreria alterações, salvo se modificada também a lei que a prevê. 
 
Por fim, o benefício especial não se confunde com a aposentadoria. A uma, porque o servidor perderá completamente o direito a ele ao trocar o regime de previdência da União por outro. A duas,  a aposentadoria será gozada junto com o benefício especial e a ninguém é dado usufruir duas aposentadorias pelo mesmo vínculo estatutário. A três, porque diversamente da aposentadoria e de qualqeur outro benefício previdenciário, é calculado no momento da migração, ou seja previamente à aposentadoria, e depois reajustado pelo INPC até ser pago quando o servidor se aposentar. Além dessa necessidade de cálculo prévio ser inerente ao equilíbrio da relação sinalagmática, a lei 12618  no art. 3º, parágrafos quinto e sexto, distingue entre o benefício especial calculado e o benefício especial pago. Não há, portanto, qualquer possibilidade de se afirmar existente relação de acessoriedade entre aposentadoria e o benefício especial que poderia levar à conclusão errônea de que esse ostenta caráter previdenciário e não civil.

 Vê-se, pois, que as marcantes diferenças entre o benefício especial e os previdenciários não permitem inclui-lo no rol desses. Se isso for feito, é necessário destacar a imutabilidade dada pela proteção ao ato jurídico perfeito. Haveria características previdenciárias, nascidas da forma de cálculo, mas não a propensão à mudança a que sujeito os elementos do regime jurídico previdenciário".  
 
 

A posição aqui externada foi adotada pela Advocacia-Geral da União que cita expressamente trecho do artigo de minha autoria sobre o tema. O parecer da AGU, nos Processo 03154.004642/2018-50, foi aprovado pelo presidente da República em 27/05/2020 para os fins  do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73 (DOU, n. 100, Seção1, p. 118). Reza o dispositivo que § 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

 

Em vista da natureza do benefício especial, não incide, quanto a ele, o teto do serviço público federal previsto no art. 37, XI, da CF/88.  O art. 40, § 11, da Constituição Federal reza que "aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo". O benefício especial não se enquadra na categoria proventos de atividade. Sequer é remuneratório, o que o torna indiferente às restrições do art. 37, XI, da CF que abarca "outra espécie remuneratórias". Isso significa que não se aplica ao benefício especial a tese fixada pelo STF ao analisar  o tema de repercussão geral 359. Ei-la:

"Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional nº 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor".

 

Sem dúvida, a não incidência do teto do RGPS essa é mais uma vantagem do benefício especial em relação aos recebimento de proventos de aposentadoria e pensão. A próxima questão a ser respondida é: incide imposto de renda sobre o benefício especial ante o seu caráter indenizatório. Adianto que a resposta é negativa, mas deixo para abordar o assunto com mais profundidade em outro post.

domingo, 20 de setembro de 2020

De novo, a Folha de São Paulo e os ataques indevidos aos servidores públicos

 

 

 

 

Mais uma matéria falaciosa da @folhadespaulo. Novamente, houve má-fé. Vamos à explicação de conceitos e fatos que foram completamente deturpados pela reportagem. Vitaliciedade é a proteção constitucional que se dá à membros do Judiciário e do Ministério Público contra interferências indevidas de poderosos, políticos ou não, no seu trabalho. Integrantes das duas categorias só podem ser demitidos por decisão transitada em julgado. Isso não tem nenhuma relação com valores recebidos na aposentadoria(obs: a aposentadoria como punição não existia para o MPU; para o Judiciário; deixou de existir após a EC 103). O Ministro do STF que se aposentar receberá valor de aposentadoria DE ACORDO COM O REGIME DE PREVIDÊNCIA A QUE ESTÁ VINCULADO e por ter contribuído para ela. Assim, quem ingressou no serviço federal após outubro de 2013 receberá de aposentadoria o TETO DO RGPS, nos termos postos pela EC 41/2003. Os que o fizeram entre 2004 e outubro de 2013 receberão a MÉDIA DE 100% DOS SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO, consoante a EC 103/19. 


Diversamente do que indica a reportagem, portanto, o ministro do STF, demais magistrados e membro do MP que se aposentarem ganharão O VALOR CALCULADO DE ACORDO COM O REGIME DE PREVIDÊNCIA A QUE ESTÃO VINCULADO, como todo servidor público. A Folha confunde seu leitor dando a entender que são equiparáveis as aposentadorias para os quais o servidor público contribuiu aos benefícios inconstitucionais como pensão vitalícia a ex-governadores, recebimento de salários após o exercício de cargo em comissão e assim por diante. Para debater o funcionalismo público é necessário examinar as restrições que eles sofrem; suas condições de trabalho; os benefícios que geram para o país; os custos; as falhas; os princípios regedores da administração; as regras de demissão; as responsabilidades e a atratividade da carreira. Partamos da ciência relativa à administração pública e não de preconceitos e falácias como fez a Folha. Seriedade é fundamental.

Mais uma reportagem equivocada da Folha de São Paulo contra os servidores públicos


 

Mais uma matéria vergonhosamente falaciosa da @folhadespaulo. Mais uma vez, o jornal elevou(ou rebaixou) as fake news a um outro patamar. Sempre que trata de servidores públicos, a Folha assume a identidade de Mr. Hyde e torna-se Fake de São Paulo. Até quando a FSP atacará injusta e descaradamente os servidores públicos? O primeiro parágrafo é exemplar quanto ao uso deturpado de informações: "Dados do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) no Brasil explicitam a enorme disparidade de rendimentos e a elevada concentração salarial nos funcionários públicos federais em relação ao resto da população". O jornalista "esqueceu-se" que o nível de escolaridade e qualificação, fator primordial na determinação da renda, é muitíssimo maior entre os funcionários federais que no "resto da população". Troque a expressão servidores públicos por jornalistas, médicos, advogados, enfermeiros, contadores, professores universitários ou qualquer carreira que exija nível superior e o resultado será exatamente o mesmo: renda muito maior do que a média da população. O motivo é que o Brasil é um país extremamente desigual, com índice de Gini, em 2020, de 0,509(quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade). Seria necessário comparar carreiras semelhantes. Por que não comparar os ônus e bônus de médicos do serviço público com os do privado? De advogados públicos com privados? Dos grandes advogados criminalistas e Diretores Jurídicos com os juízes e membros do MP que atuam nos mesmos casos que eles? A Folha tenta, a qualquer custo, vincular a imagem dos servidores à dos mais ricos do país. Defende que: "Por causa dos salários do setor público, os habitantes do Distrito Federal têm o terceiro maior patrimônio declarado (R$ 317 mil, em média), não muito atrás dos estados de São Paulo (R$ 373,9 mil) e Rio (R$ 329,2 mil), onde há mais atividade econômica privada e bens acumulados há centenas de anos –enquanto Brasília só foi inaugurada em 1960". 

Analisando os dados citados pela FSP descobri que estudo que ela menciona - sem sequer dar-lhe o título - é "Onde estão os ricos do Brasil", da FGV(https://www.cps.fgv.br/cps/bd/docs/OndeEstaoOsRicos_Marcelo-Neri_FGV-Social.pdf). Esse trabalho NÃO serve a determinar grau de riqueza, o que o torna inútil à tese que a FSP quer emplacar: a de que os servidores são os nababos mais ricos da República. Para determinar riqueza, é necessário analisar a fundo o que os próprios autores do estudo chamam de ativos mais relevantes no estoque de riqueza: imóveis, automóveis ações e, acrescento eu, participações societárias. Acontece que o trabalho, por se basear em informações da Receita Federal, usa o valor de face, e não o de mercado. Eis o que diz o trabalho: "A limitação a ser notada é que parte dos ativos mais relevantes no estoque de riqueza é declarada a valor histórico,como imóveis, automóveis e ações". Se o valor de face é muitíssimo inferior ao de mercado, pode ser usado como indicador preciso de riqueza? A mesma reportagem que demoniza os servidores públicos critica o fato que apenas 14,4% da população declara imposto de renda, o que de fato é para ser criticado. Esquece-se, porém, que 100% dos servidores públicos demonizados têm seu imposto de renda retido na fonte. Mais: os servidores federais ainda arcam com até 22% de contribuição previdenciária, além da alíquota máxima de 27,5% do IR, que são descontados de seu contracheque. Ao comparar salários, a FSP sempre "ignora" que a tributação do servidor é muitíssimo superior à da iniciativa privada. A discussão racional sobre os servidores exige que se analisem as restrições que sofrem; condições de trabalho;os benefícios que geram para o país; os custos; as falhas; princípios regedores da administração; regras de demissão e de seleção; responsabilidades e a atratividade da carreira, etc. Se a @folhadespaulo não é capaz de alcançar esse nível, é pedir demais que ao menos evite as fake news?

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