sábado, 5 de novembro de 2022

Como calcular o fator de conversão do BE dos integrantes das carreiras policiais federais?

 

        Um dos elementos do cálculo do benefício especial é o fator de conversão. Definido pelo art. 3, § 3º, da Lei 12618/12, com a redação dada pela 14.463/2022, ele corresponde, ordinariamente,  a uma proporção entre a quantidade de contribuições do servidor em meses e divisores diversos a depender da categoria a que ele pertença: a) 455, se for homem, titular de cargo efetivo da União ou por membro do Poder Judiciário da União, do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público da União ou da Defensoria Pública da União; b) 390, se mulher ocupante dos mesmos cargos citados; c) 325, se mulher e professora de educação infantil ou ensino fundamental; d) 390, se homem e professor do educação infantil ou ensino fundamental. 

        Tomemos o meu caso como exemplo. Tenho, hoje, 18 anos e 4 meses de contribuição. O numerador - o "Tc" na expressão usada na Lei 12618/12 -, de meu fator de conversão seria 18*13+4, ou 238. Como sou  membro do Poder Judiciário Federal, meu denominador, ou "Tt", seria de 455, nos termos do art. 3º, § 3º, III, "a", da Lei 12618/12. Logo, meu fator de conversão equivaleria a 238:455, ou 0,52. Caso fosse professor de educação infantil, o divisor seria de 390, o que faria meu TC ser de 238:390, ou 0,61.

        Se o art. 3º, § 3º, da Lei 12618/12 privilegia professores de educação infantil ou ensino fundamental ao prever expressamente denominadores reduzidos para seus Tcs, o parágrafo § 4º do mesmo dispositivo traz regra geral de ajuste dos TCs aos detentores de aposentadoria especial, como os policiais. Reza o dispositivo o seguinte, na redação dada pela Lei 14.463/2022: 

§ 4º Para os termos de opção firmados até 30 de novembro de 2022, inclusive na vigência da Medida Provisória nº 1.119, de 25 de maio de 2022, o fator de conversão será ajustado pelo órgão competente para a concessão do benefício quando, na forma prevista nas respectivas leis complementares, o tempo de contribuição exigido para concessão da aposentadoria de servidor com deficiência, ou que exerça atividade de risco, ou cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, for inferior ao Tt de que trata a alínea “a” do inciso III do § 3º deste artigo.  

        Note-se que o  § 4º determina que o fator de conversão seja ajustado quando, na forma prevista nas respectivas leis complementares, o tempo de contribuição exigido para concessão da aposentadoria seja inferior aos tts - os denominadores - da alínea "a" do inciso III do § 3º. Essa se refere a "Tts" de 455 para homens, 390 para mulheres e homens professores, e 325 para mulheres professoras. É evidente que o parágrafo quarto , ao utilizar a expressão " inferior ao Tt", refere-se aos Tts da regra geral, 455 para homens e 390 para mulheres, e não 325. Adotada interpretação diversa, inviabilizar-se-ia o ajuste do FC para as categorias qualificadas a receber a aposentadoria especial, como pessoas com deficiência. Haveria evidente ofensa à isonomia com desprezo a fatores geradores de diferenciação e violação a normas supralegais como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada pelo Decreto 6949/09.

        Tendo isso em vista, teríamos que policiais fazem jus ao ajuste no fator de conversão. A dúvida que assola a administração e parte dos servidores é: como é que o FC será ajustado?

    Por primeiro, destaquemos que o BE não é previdenciário, mas compensatório/indenizatório[1] e tem natureza civil, como posto no Parecer n. 00093/2018/DECORJCGU/AGU. Logo, descabida a extensão ao fator de conversão de quaisquer restrições impostas à aposentadoria especial como feita pela EC 103 , cujos arts. 25 § 2º e 10§ 3º vedam a conversão de tempo especial em comum.  A propósito firmou o STF no Tema 942 a seguinte tese:

  “Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República".

        Em segundo lugar, há de se ter em conta ao fazer o ajuste que o parágrafo quarto  do art. 3º da Lei 12618/12 utiliza a expressão "quando na forma prevista nas respectivas leis complementares". Ao fazê-lo, determina que as leis complementares que tratam das aposentadorias especiais devem ser utilizadas como parâmetro a ser seguido para o ajustar do fator de conversão.

Quanto aos policiais federais que pleiteiam a migração,  a regulamentação de como se fará o ajuste é dada pela LC 51, sede das  normas que regem a aposentadoria desse grupo. Seu art. 1º determina que: a) o policial homem será aposentado "após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial "; b) a policial mulher, "após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial".  

Note-se que não basta à aposentadoria o cumprimento de tempo reduzido de contribuição em relação às regras gerais, mas o preenchimento de requisito especial consistente no tempo de exercício de cargo de natureza estritamente policial. Deve-se, portanto, fazer refletir tanto um quanto outro requisito no cálculo do Benefício Especial para que se realize o ajuste previsto no art. 3º, §4º da Lei 12.618/12 com a redação dada pela Lei 14463/22. E como fazer isso? Aplicando ao tempo de atividade estritamente policial um multiplicador que reflita a redução de tempo prevista na lei complementar. No caso dos homens, esse multiplicador equivaleria a 455/390, ou 1,166666667, sendo 455 o número de contribuições exigidas na regra geral de aposentadoria para homens que se aposentavam com 35 anos de contribuição antes da EC 103 ; e 390 a quantidade de  contribuições requerida pela LC 51.  Para mulheres, pelas mesmas razões, o multiplicador seria de 390/325, ou 1,2.  

Imaginemos um policial que tenha 5 anos como técnico judiciário e 10 anos como integrante da polícia. Nesses períodos foram pagas, respectivamente, 65 e 130 contribuições. Como será calculado o BE dele? Primeiro, multiplicam-se as 130 contribuições em atividade estritamente policial por 1,166666667; em seguida, soma-se o resultado às 65 contribuições como técnico. O resultado da soma descrita será dividido por 455. Temos, então, o seguinte: 

(65 + 130*1,166666667)/455 = 0,4719

O fator de conversão, portanto, desse policial será 0,4719.

Note-se que há aqui espécie de conversão das contribuições como policial em contribuições comuns. Lembremos novamente, que não se aplicam ao benefício especial as proibições de conversão do tempo vigentes para a aposentadoria, já que o BE não é instituto previdenciário.

Por que não se deve simplesmente aplicar ao fator de conversão dos policiais um denominador (ou Tt) de 390 ou 325, valores que refletem o tempo de contribuição exigido na LC 51 para homens e mulheres, respectivamente? Tal providência ignoraria o peso dado pela Lei Complementar 51 ao tempo de contribuição estritamente policial. Seriam geradas iniquidades como a seguinte: um integrante das forças policiais com 25 anos de contribuição em atividade de natureza estritamente policial e outro com 24 anos e 11 meses no exercício do cargo de técnico judiciário e apenas um mês como policial teriam fatores de conversões idênticos. Há evidente ofensa à isonomia nessa hipótese. Para se evitar tal violação e preservar coerência do ordenamento, o ajuste requerido pelo art. 3º, §4º é aquele que premia os que exerceram a atividade especial de acordo com o tempo que nela permaneceram, e não o que iguala servidores em situações díspares. 

Para um policial que tivesse apenas tempo em atividade estritamente policial, seria possível usar o número de contribuições como policial dividido por 390, montante correspondente às contribuições em 30 anos. Desnecessária, aqui, qualquer conversão. Note-se que o resultado seria idêntico àquele nascido da multiplicação do tempo por 1,166666667 e a posterior divisão por 455. Vejamos o cálculo do fator de conversão de um policial com 20 anos de contribuição em atividade estritamente policial feito das duas maneiras citadas:  

I) 20*13/390 = 260/390 = 0,66666667

II) 20*13*1,166666667/455 = 303/455 = 0,66666667

Do exposto, conclui-se que o ajuste no fator de conversão dos policiais previsto no  § 4º do art. 3º da Lei 12.618/12 considerará os dois requisitos previstos na LC 51, quais sejam: a) o tempo de contribuição geral ; b) o tempo de atividade estritamente policial. Para tanto, basta aplicar os multiplicadores citados a esse último tempo, somá-lo com o tempo comum e dividir o resultado por 390 para mulheres e 455 para homens. 

 

[1] TENÓRIO, Rodrigo. 2 ed. Regime de previdência: é hora de migrar? Amazon, 2020.  


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