sábado, 6 de junho de 2015

Prova de Eleitoral do 28° Concurso do MPF



Candidatos ao MPF me questionaram sobre os temas perguntados na prova de Direito Eleitoral da segunda fase do 28° concurso do MPF, realizada ontem. Tive a satisfação de concluir que ambas as questões foram tratadas por mim no meu "Direito Eleitoral". Não há maior presente para o autor que saber que ajudou estudantes a conseguir seu objetivo. Vamos ao cerne das duas perguntas:

Primeira Questão - Inelegibilidade Reflexa. Companheira de prefeito que falece no segundo mandato pode ser candidata?

Na consulta 1458-DF/2008, o TSE decidiu que "cônjuge de prefeito reeleito não poderá candidatar-se ao cargo de prefeito, nas eleições subsequentes, por ser inviável o exercício de três mandatos consecutivos no âmbito do mesmo núcleo familiar(art. 14, §§ 5° e 7°, da CF)" (Consulta 1.458-DF/2008, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJ 16-6-2008).
Nos termos da Súmula Vinculante 18 do STF, a inelegibilidade reflexa perdurará ainda que a união estável se dissolva no curso do mandato em virtude do falecimento. Eis o seu teor:
“A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7° do art. 14 da CF”.

O TSE, em 27 de novembro de 2012 , julgou caso em que companheiro de candidata foi prefeito de 2005 a 2008 e, em segundo mandato, até a data de seu óbito em 4.11.2009. Poderia a viúva disputar, nas eleições seguintes, o cargo de mandatária do município? A resposta dada pelo TSE foi negativa.
ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA.PREFEITO. INELEGIBILIDADE POR PARENTESCO.COMPANHEIRA DE PREFEITO REELEITO FALECIDO NO SEGUNDO MANDATO. VEDAÇÃO AO EXERCÍCIO DE TERCEIRO MANDATO PELO MESMO GRUPO FAMILIAR. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. INDEFERIMENTO DO REGISTRO.
1. O companheiro da recorrida foi prefeito do mesmo município no qual ela pretende concorrer de 2005 a 2008 e, em segundo mandato, até 4.11.09.
2. Nos termos do disposto no art. 14, §§ 5° e 7°, da Constituição e da jurisprudência desta Corte, a recorrida está inelegível para o pleito deste ano, em decorrência da vedação ao exercício de terceiro mandato pelo mesmo grupo familiar.
3. Não aplicável ao caso o entendimento exposto pelo TSE na resposta à Consulta nº 54-40/DF.
4. Recurso provido para indeferir o registro de candidatura.
(REspe nº 206-80.2012.6.16.0085/PR)

Uma candidata, muito inteligentemente, questionou-me sobre o RE 754681 em que o STF excepcionou a aplicação da Súmula em caso de morte, destacando que, nas discussões de sua edição, levou-se em consideração a necessidade de se combater as separações e divórcios fraudulentos. No entanto, não se autorizou o exercício do terceiro mandato pelo mesmo grupo familiar. Na prova do MPF, havia o óbice do terceiro mandato pelo mesmo grupo familiar. No RE 754681 o STF afirmou que o prefeito morrera no primeiro mandato e que sua ex-esposa constituiu novo grupo familiar, o que afastaria a preocupação com a formação de hegemonias políticas familiares, geradora da súmula 18. Como dito, essa busca evitar fraudes aptas a burlar a inelegibilidade reflexa. Claro que morte não está abarcada nessas hipóteses. No entanto, no RE 754681 a proibição do terceiro mandato pelo mesmo grupo familiar não estava em discussão, como me parece que ocorreu no concurso do MPF. Nas palavras usadas pelo Min. Teori, relator julgado do STF, dentre as peculiaridades a serem consideradas estava o fato da recorrente ter se casado novamente, durante seu primeiro mandato, "constituindo, com o advento das núpcias e do nascimento dos filhos, nova instituição familiar". Na questão do concurso, não houve criação de nova família. Caso a companheira pudesse se candidatar, teríamos o terceiro mandato do mesmo grupo familiar. Destaco que no julgado do TSE, a Min. Carmen Lúcia, após pedir vista, sustentou que de fato a Súmula 18 se aplicaria para evitar fraudes, não abarcando dissolução do vínculo por morte, mas que "no caso o próprio titular não poderia, de qualquer modo, tentar um terceiro mandato”. Ao que parece, a questão do MPF tratava especificamente da jurisprudência do TSE, e essa não foi afastada pelo STF quanto à proibição de terceiro mandato pelo mesmo grupo familiar. Por tudo isso, creio que a proibição do terceiro mandato deveria ser considerada na resposta. Não posso deixar de dizer que o tema, por óbvio, é controverso.

Segunda Questão: Abuso de poder político pode ser apurado em AIME se tiver relacionado a poder econômico? A condenação em AIME gera inelegibilidade do art. 1°, d, da LC 64/90?

Transcrevo aqui trecho do meu "Direito Eleitoral"sobre o assunto.
“Vimos que AIME serve para apurar o abuso do poder econômico. E quanto ao abuso do poder político? Somente quando entrelaçado com o abuso do poder econômico, porquanto abusa desse poder o candidato que despende recursos patrimoniais públicos dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral (RESPE 28.040/BA, DJ 1-7-2008).

Para o TSE, "a teor do art. 14, § 10, da Constituição Federal, na AIME serão apreciadas apenas alegações de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, não sendo possível estender o seu cabimento para a apuração de abuso do poder político, ou de autoridade stricto sensu (AgR-AI 214.574, acórdão de 23-8-2011)".

Nesse último precedente, os fatos apurados eram a intimidação de servidores públicos e o impedimento para a utilização de transporte público escolar. Definiu o TSE que tais atos evidenciariam, exclusivamente, a prática de abuso do poder político, não havendo como extrair delas qualquer conteúdo de natureza econômica, a autorizar sua apuração em sede de AIME.

O parâmetro para o cabimento da AIME quanto ao abuso do poder político é o seguinte: quando esse revelar dimensão econômica, a AIME é cabível, o que significa que haverá a condição da ação do interesse de agir na modalidade de adequação (Agravo Regimental em Ação Cautelar 3.568, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE 27-5-2011, p. 26)".

Quanto à possibilidade de imposição de inelebilidade prevista na alínea "d" da LC 64/90, segue abaixo outro trecho do livro:
"Entendeu o TSE que a representação a que se refere o dispositivo não compreende o recurso contra a expedição de diploma nem a ação de impugnação de mandato eletivo, mas só as ações dos arts. 22 e seguintes da LC 64/90 (RO 312.894, acórdão de 30- 9-2010, e RESPE 10-62/BA, sessão de 12-8-2013). Nos acórdãos, defendeu-se que as causas de inelegibilidade não comportam interpretação extensiva nem aplicação analógica".

Tal posicionamento foi recentemente reafirmado pelo TSE:
"Em conformidade com precedentes deste Tribunal, relacionados às eleições municipais de 2012, tem-se que a inelegibilidade preconizada na alínea d do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, com as alterações promovidas pela LC nº 135/2010, refere-se apenas a representação com base em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), de que trata o art. 22 da Lei de Inelegibilidade, e não com base em ação de impugnação de mandato eletivo (AIME)" (AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 43575 - Ielmo Marinho/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 28/05/2015, pp. 166/167)

 Sorte aos candidatos! Que vocês consigam ingressar na fantástica do MPF!

sexta-feira, 22 de maio de 2015

#Dicasconcursos #dicaseleitoral

Preste atenção: ‪#‎Dicasconcursos‬ ‪#‎Dicaseleietoral‬ Fundo partidário não pode ser usado para o pagamento de multas eleitorais à legenda, candidato ou filiado (Consulta 139623)

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Preste atenção

Preste atenção: #Dicasconcursos #Dicaseleietoral 
Nem toda prática de conduta vedada gera cassação do registro ou do diploma.  A imposição da sanção, por sua gravidade, exige o exame da proporcionalidade. Essa é a posição tanto do TSE quanto da Procuradoria-Geral Eleitoral. 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

#ConcursosTREeMPF - Resumo do informativo 01 de 2015 do TSE



A seguir, as principais teses contidas no informativo 01 de 2015 do TSE. Muitas das inovações jurisprudenciais vistas nas eleições de 2014 estão nele expostas. É essencial aos candidatos dos concursos dos TREs e do MPF  conhecê-las. 




1)A dependências internas ou áreas comuns de condomínio não podem ser consideradas bens de uso comum para efeito do disposto no § 4º do art. 37 da Lei nº 9.504/1997



2) Partido político recém-criado, para o qual tenham migrado parlamentares de outras legendas, faz jus à veiculação de propaganda partidária, em cadeia nacional, já que se enquadra na hipótese prevista no inciso II do art. 3º da Res.-TSE nº 20.034/1997. No entanto,  partido criado após as últimas eleições não atende ao disposto no inciso I do art. 3º da Res.-TSE nº 20.034/1997, o que impede a sua participação na transmissão de inserções em rede nacional, já que seriam necessárias participações em dois pleitos consecutivos.

3) Os fatos determinantes de justa causa para ocasionar desfiliação partidária devem revelar situações claras de grave discriminação pessoal, ou mudança das diretrizes partidárias em caráter nacional.
Destacou-se também que, para se alegar motivo justificador da desfiliação, é necessário demonstrar
o desvio de diretriz nacional ou de postura que o partido historicamente tenha adotado sobre
tema de natureza político-social relevante

4) A reconsideração de tribunal de contas afastando a nota de improbidade constante de decisão de rejeição de contas de candidato não impede que a Justiça Eleitoral conclua pela inelegibilidade. 

5) A doação eleitoral realizada por firma individual está sujeita ao limite previsto para as pessoas físicas, qual seja, dez por cento do rendimento bruto auferido no ano anterior ao da eleição


6) Cabe à Justiça Eleitoral fazer o enquadramento jurídico do regime de prestação do serviço público delegado – autorização, permissão ou concessão –, para considerar ilegal doação eleitoral realizada pela entidade contratada


7)  Discurso prolatado pela presidente da República quando da entrega de imóveis construídos por programa social do governo federal não constitui propaganda eleitoral antecipada, ainda que contenha trechos sugestivos de continuísmo ou alusões a certos candidatos ou governos passados. 

8) Não configura conduta vedada a participação, em bate-papo virtual conhecido como face to face da presidente da República e candidata à reeleição no Palácio da Alvorada, com a finalidade de informar os internautas sobre a configuração do programa social Mais Médicos

9) A concessão do direito de resposta pressupõe a propagação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica, manifesta, incontestável e que não dependa de investigação. Para o relator, o conteúdo da informação deve ser sabidamente inverídico, absolutamente incontroverso e de conhecimento da população em geral, não podendo ser alvo de direito de resposta um conteúdo
passível de dúvida, controvérsia ou de discussão na esfera política.

10) O TSE reafirmou sua competência para processar e julgar direito de resposta, sempre que órgão de imprensa veicula matéria contendo afirmações supostamente falsas e difamatórias, que extrapola o direito de informar e se refere diretamente a candidatos, partidos ou coligações que disputam o pleito

11) O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, alterando sua jurisprudência aplicada no
primeiro turno das eleições de 2014, assentou que o programa eleitoral gratuito não deve ser utilizado para veicular ofensas e acusações entre os candidatos.

12) A desaprovação de contas decorrente da inobservância de normas financeiras na gestão de consórcio público atrai a inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/1990

13) O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, assentou que a concessão de liminar, até a datada diplomação, suspendendo os efeitos de condenação por improbidade administrativa, causa do
indeferimento de candidatura, constitui fato superveniente a permitir o registro do candidato.            


14) Após a formalização da renúncia ao registro do candidatura não se admite retratação, mesmo que essa se dê antes da homologação pela justiça Eleitoral. 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Inelegibilidades supervenientes e Recurso Contra Expedição de Diploma: um novo viés à luz da teoria do fato jurídico e do caráter sistêmico do direito

.    Trecho de TENÓRIO, Rodrigo Antonio. Direito Eleitoral; coordenação André Ramos Tavares, José Carlos Francisco. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, (no prelo)


Nascerá o interesse de agir na modalidade adequação para o RCED nas seguintes hipóteses: a) inelegibilidades infraconstitucionais supervenientes; b) inelegibilidades constitucionais; c) condições de elegibilidade.
            Já abordamos os conceitos de inelegibilidades constitucionais e condições de elegibilidade. Dúvidas restam quanto as inelegibilidades supervenientes. Para o TSE, o conceito abarca exclusivamente as inelegibilidades que surgirem após o registro e antes das eleições. In verbis:
Na linha da jurisprudência desta Corte Superior, reafirmada em julgados recentes, a inelegibilidade superveniente, para fins de ajuizamento do recurso contra expedição de diploma, deve ser aquela que surge após o registro e antes da eleição.( Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 37849 - Pilar/AL . Rel. Min. Henrique Neves, DJE  de 14/11/2014, p. 53)
Com a devida vênia, tal posicionamento não é o mais acertado. A análise do tema à luz das teorias do fato jurídico e do ordenamento jurídico apontam para caminho oposto.
Partamos de duas premissas: a) a diplomação é ato jurídico, espécie de fato jurídico, motivo pelo qual deve ser examinada sob a ótica dos planos da existência, da validade e da eficácia; b) o ordenamento jurídico, no dizer de Bobbio[1],  ostenta caráter sistêmico, o que significa que é inadmissível que seus componentes, as normas, guardem entre si relação de contradição(ou incoerência).
12.5.1.  Do exame da diplomação como ato jurídico: os planos da existência, da validade e da eficácia
            A diplomação é ato jurídico apto a mudar ao status do candidato eleito. O mandato, em verdade, não nasce da aclamação pela vontade popular: essa é apenas um dos condicionantes fáticos do ato jurídico diplomação. Refiro-me aquilo  que Pontes de Miranda denominou suporte fático, o qual corresponde a “fato, evento ou conduta que poderá ocorrer no mundo e que por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica”[2] . Tanto a diplomação tem dentre seus efeitos a outorga do mandato ao ganhador das eleições que o início da prerrogativa de foro no âmbito criminal se dá com a expedição de diploma e não com a vitória nas urnas. Se a diplomação é ato jurídico, para se verificar sua existência é preciso examinar tudo que lhe é anterior e que sirva como condicionante.
O suporte fático é conceito do mundo dos fatos. Após a ocorrência no plano do real de todos seus elementos, dá-se a incidência da norma, fazendo surgir o fato jurídico. Acrescente-se, nessa breve explanação sobre suporte fático, que fatos jurídicos e seus efeitos – tais como decisão judicial e a inelegibilidade - podem constituir suporte fático de outros fatos jurídicos, como a diplomação.
            São os suportes fáticos constituídos de elementos positivos ou negativos. A inelegibilidade superveniente é um dos elementos negativos do suporte fático da diplomação. Presente a inelegibilidade, essa não se concretizará.
            Para a dogmática jurídica, validade é qualificação que se atribui a ato jurídico conforme com o direito, ou seja, o que não contém “qualquer mácula que o torne defeituoso”[3]. Validade, assim, é sinônimo de perfeição: diz-se válido o ato cujo suporte fático é perfeito. O exame da validade é feito sempre a partir do suporte fático. Num primeiro momento o ato existe e só então ingressa no plano da validade. Nota-se, pois, que o trato da validade levará em conta necessariamente o tempo em que suporte fático se constitui, ou seja, o momento da existência.
            Passemos, por fim, à eficácia, a qual corresponde à aptidão do fato jurídico para irradiar os efeitos próprios que lhe são outorgados pela norma. O ato para ser eficaz deve existir, mas não necessariamente ser válido. Há atos jurídicos nulos que geram efeitos, como o casamento putativo, e atos válidos sem eficácia, como o testamento enquanto vivo o testador. A invalidade é a principal causa de ineficácia, mas não a única. Leciona Marcos Bernardes de Mello que o existir, o ser jurídico, é sempre pressuposto da validade, ou invalidade, e da eficácia ou da ineficácia do ato jurídico. [4] Em outros termos, a existência é sempre condicionante, ou antecedente,  de validade e eficácia.
Já que estamos a examinar se inelegibilidade nascida após a eleição repercutirá na diplomação, curial destacar que a eficácia dos fatos jurídicos podem estar “sujeitas a vicissitude que influem em seu surgimento e amplitude, tanto sob os aspectos temporal e espacial quanto a seu conteúdo”[5]. Possível, portanto, que a norma crie limites temporais à eficácia. Quanto a atos que independem da vontade de quem sofre seus efeitos – como as decisões geradores de inelegibilidade – os limites temporais advirão sempre de disposição expressa da lei ou da natureza do ato jurídico.
O Código Eleitoral, a Lei 9504/97, e LC 64/90 e a CF/88 estabelecem quais as hipóteses fáticas condicionantes (o suporte fático  abstrato) da existência da diplomação. O tempo em si não pode ser fato jurídico, mas seu transcurso integra suportes fáticos, como se dá nos casos de decadência e prescrição. No plano da existência, será que os requisitos da diplomação limitar-se-iam ao que se concretizar até a data da eleição? No que toca à eficácia, teria a lei estabelecido limite temporal para a eficácia da inelegibilidade superveniente, extraindo efeitos para a diplomação somente daquelas que se concretizaram até a data da eleição? Se a lei não o fez, decorreriam os limites da própria natureza do ato originador da inelegibilidade? Para as três questões, a resposta é negativa.
Comecemos lembrando que o Código Eleitoral, no art. 262, reza que  O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade. Inexiste no dispositivo qualquer restrição ao conceito de inelegibilidade superveniente. Esse há de ser extraído das demais normas do ordenamento, tendo em vista a impossibilidade de haver contradição entre as normas do sistema. Ausente previsão específica, somente através das lentes da coerência do sistema é que se determinará  o verdadeiro alcance do qualificativo “superveniente”. Parece óbvio que se o ordenamento permitir que outros elementos negativos do suporte fático da diplomação se façam presentes após a votação, seria pouco coerente não o fazer em relação às inelegibilidades. Testemos, então, a hipótese.
 Desdobramentos das prestações de contas, as quais podem ser oferecidas até 30 dias depois do pleito(art. 29 da LE), repercutirão quanto à diplomação. Determina  o art. 29,  § 2º, da Lei 9504/97 que  “a inobservância do prazo para encaminhamento das prestações de contas impede a diplomação dos eleitos, enquanto perdurar”. Vê-se, pois, que a legislação consagra o nascimento de elementos negativos de existência da diplomação em tempo posterior à eleição. Há outros exemplos. O art. 30-A da LE e o art. 1º, I, “j”, da  LC 64/90 cominam, respectivamente, cassação(ou negativa) de diploma e inelegibilidade a quem praticar  condutas em desacordo com as normas da Lei 9504/97 relativas à arrecadação e gastos de recursos. O período de arrecadação e gasto não finda com a data da eleição. Permite o art. 30, §1º, da Res. 23406/14 “a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo para entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral” . Arrecadação e gasto poderão, assim, ser executados após o pleito. Se houver prática do ilícito previsto no art. 30-A quanto às movimentações extemporâneas, o diploma pode ser cassado ou negado. Eis, novamente, ilicitude posterior à eleição impedindo a diplomação. 
Obriga o art. 22 da LE que partidos e candidatos abram conta bancária específica para registrar todo o movimento financeiro da campanha. O §3° dispõe que o uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham dessa conta “implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.”Vimos que o pagamento de gastos eleitorais pode se dar após o pleito, o que significa que o ilícito em pauta pode ocorrer também depois da votação. Assim, cria a lei possibilidade de movimentação financeira ocorrida depois da data da votação acarretar cassação do diploma.
As disposições legais citadas demonstram que o ordenamento enumera elementos negativos de existência da diplomação que são posteriores à votação. Haveria coerência do ordenamento se afastadas, do rol desses elementos, as inelegibilidades supervenientes concretizadas após o pleito? É claro que não.
Continuemos com o foco no caráter sistêmico do ordenamento. O TSE já reconheceu que impede a diplomação trânsito em julgado de condenações criminais - o qual gera suspensão de direitos políticos – mesmo após à eleição.
“Recurso contra a expedição de diploma (CE, art. 262, I). Inelegibilidade superveniente ao registro e anterior a diplomação: cabimento do recurso. 2. Condenação criminal transitada em julgado após a eleição e antes da diplomação por crime contra a administração pública é causa de inelegibilidade (LC nº 64/90, art. 1º, I, e), oponível a candidato eleito, mediante recurso contra a expedição de diploma. 3. Recurso conhecido e provido” (TSE, RCED 532, Rel. Min. Torquato Jardim, acórdão de 19/10/95)
“Condenação criminal. Trânsito em julgado. Direitos políticos. Suspensão. Efeito automático. Inelegibilidade. Diplomação negada.   Desprovimento. 1.   Há de se negar a diplomação ao eleito que não possui, na data da diplomação, a plenitude de seus direitos políticos. 2.   A condenação criminal transitada em julgado ocasiona a suspensão dos direitos políticos, enquanto durarem seus efeitos, independentemente da natureza do crime. 3.   A suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15, III, da Constituição Federal é efeito automático da condenação criminal transitada em julgado e não exige qualquer outro procedimento à sua aplicação. [...]”
           
Alguns poderiam dizer que os precedentes tratam de condições de elegibilidade, já que o trânsito em julgado afeta o gozo dos direitos políticos. Levando em conta os planos da existência e eficácia do ato jurídico, irrelevante que consideremos que os casos tratariam de ausência superveniente de condição de elegibilidade ou inelegibilidade. A irrelevância deflui da nova redação do art. 262 do CE, segundo o qual tanto as condições de elegibilidade quanto as inelegibilidades supervenientes podem ser manejadas em RCED. A condenação criminal transitada  em julgado é tão elemento negativo da existência do ato jurídico diplomação quanto qualquer inelegibilidade superveniente. Não há, com a devida vênia, ante a letra do art. 262 do Código Eleitoral fundamento idôneo a justificar a diferença de tratamento entre essa e os demais obstáculos à existência do ato jurídico diplomação ocorridos após a eleição. Vislumbra-se apenas uma interpretação quanto às inelegibilidades supervenientes capaz de preservar a coerência do ordenamento: o alcance temporal da análise dos planos da existência e da eficácia do ato jurídico diplomação abarcará tanto eventos ocorridos anteriormente à votação quanto os que se concretizarem após ela, até a data da expedição do diploma. Ausente previsão legal em contrário, os atos jurídicos geradores de inelegibilidade existentes após a eleição e antes da diplomação terão eficácia instantânea e não protraída: ocorrido o fato jurídico, “os direitos e pretensões que compõem seu conteúdo eficacial surgem de uma só vez”[6].
Para o TSE, eficácia da inelegibilidade posterior à votação seria protraída, revelando-se somente no período eleitoral seguinte àquele em que surgiu. Porém, um olhar cuidadoso sobre as normas do ordenamento que implícita ou explicitamente dispõem sobre as eficácias das inelegibilidades prova algo diverso.
 O art. 15 da LC 64/90 assevera que “transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido”. Consoante o parágrafo único do artigo, tal decisão, independentemente da apresentação de recurso, deverá ser comunicada, de imediato, ao Ministério Público Eleitoral e ao órgão da Justiça Eleitoral competente para o registro de candidatura e expedição de diploma do réu. Não é possível vislumbrar no artigo nenhuma restrição que indique que a norma não incidirá sobre as inelegibilidades concretizadas após a eleição e antes da diplomação.
Prossigamos. O art. 26-C, “caput”, da LC 64/90 estipula que “o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1° poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida” . O §2° dispõe que “mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente”. Não há, na norma, referência nenhuma à limitação temporal da eficácia das manutenções das decisões ou das revogações das suspensões de liminares concretizadas após a votação.
 Nesse ponto, destaquemos que dadas as definições dos planos da existência e da eficácia, torna-se simples enxergar que, na situação epigrafada: a) a eficácia do ato gerador da inelegibilidade havia sido suspensa com a liminar; b) uma vez que essa perde seu efeito, aquela volta a se estabelecer desde o momento da existência, já que a eficácia, na hipótese em epígrafe, é imediata, surgida tão logo concretizado o suporte fático. O que aqui se expõe também se aplica à hipótese em que decisões administrativas como as do TCU são suspensas por tutelas de urgência em ações que buscam anulá-las. Revogada a tutela após as eleições e antes da diplomação, a revogação terá eficácia “ex tunc”.  Com o afastamento do óbice à eficácia representado pela tutela de urgência, nada impedirá que se considere que  aptidão do fato jurídico para irradiar os efeitos próprios que lhe são outorgados pela norma estava presente desde o primeiro momento em que houve o ingresso no plano da existência, pois estamos diante hipótese de eficácia imediata. Essa leitura está em consonância com os arts. 15 e 26-C, §2º,  da LC 64/90 e com a jurisprudência do STJ e do STF. Para ambos, a revogação da tutela provisória gera efeitos retroativos. Tão pacífica é a matéria que, quanto ao mandado de segurança, já existe a súmula 409 dispondo que denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.
12.5.2.  Dos precedentes do TSE.
Volto a dizer: considerada a redação do art. 262 do Código Eleitoral e do art. 1 da LC 64/90, não há obstáculo à concretização de elemento negativo do suporte fático da diplomação após a eleição nem tampouco limite temporal da eficácia do ato jurídico gerador da inelegibilidade ocorrido após a votação.
Estudemos dois precedentes do TSE em que se sustenta a tese de que a inelegibilidade superveniente é só a ocorrida até a eleição. Trato do julgado já citado no capítulo, o Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 37849 - Pilar/AL. Lá se concluiu que “a rejeição de contas superveniente ao dia da eleição não enseja o ajuizamento de recurso contra a expedição de diploma, pois a cláusula de inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 se aplica às eleições que vierem a se realizar nos oito anos seguintes à decisão, e não àquelas anteriormente realizadas”.
Supostamente, aplicou o TSE a interpretação gramatical, usando a expressão “eleições que vierem a se realizar nos oito anos seguintes à decisão” constante na alínea  g como ponto central da argumentação. Como a redação da alínea “g” não tem similitude em relação às outras,  deveria ser inaplicável a restrição às demais inelegibilidades. Ressalte-se que mesmo as alíneas que contêm o termo “as eleições que se realizarem nos oito anos seguintes”, como a “h” e a “d”, mencionam também a “eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados”.
O texto das alíneas “h” e “d”, que se referem à “eleição na qual tenham sido diplomados” mostram equívoco terminológico cometido pelo TSE. O termo “eleição” não é unívoco na legislação eleitoral. Tanto pode se referir ao dia do pleito, como a todo o processo eleitoral. Não por outro motivo as alíneas “h” e “d” mencionam “eleição na qual tenham sido diplomados”. Perde força a intepretação puramente gramatical do TSE ante a bivocidade do termo “eleição” na legislação eleitoral
Passemos ao próximo julgado. O TSE já decidiu que acórdão que confirma condenação por ato de improbidade administrativa doloso proferido após as eleições não é considerado ato gerador de inelegibilidade superveniente a ser aventada em RCED (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 97552 - Pinhalzinho/SP. Rel. Min. Luciana Lóssio. DJE de 06/11/2014, p. 97) Estamos na alínea “l”, do art. 1, I da LC64/90, que torna inelegíveis “os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”. As balizas temporais da eficácia são claras: “desde a condenação ou trânsito em julgado até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena”.   Onde se vê o limite temporal à eficácia da condenação posterior às eleições defendido pelo TSE? Se na alínea “g”, o tribunal apoiou-se no termo “eleições que vierem a se realizar nos oito anos”, aqui, ele não está disponível. Surgida antes da diplomação, deveria a inelegibildiade ter sua eficácia respeitada, o que se faz possibilitando que seja tratada no RCED.
Claro que a análise individualizada de todas as alíneas do art. 1 da LC 64/90 foge aos objetivos desse livro. No entanto, a aplicação dos marcos teóricos aqui estabelecidos basta a afastar a conceituação restritiva do TSE quanto à inelegibilidade superveniente, pouco importando de qual alínea estamos a tratar.
Para preserver o caráter sistêmico do ordenamento, o conceito de inelegibilidade superveniente deve ser extraído de suas normas. Ao reduzir o alcance eficacial de inelegibilidades consagradas na LC 64/90, o TSE, está, em verdade, restringindo o alcance de normas estabelecidas em obediência a princípios consagrados no comando constitucional do art. 14, §9°: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.  Dentre outras conceituações, os princípios são exigências de justiça, equidade ou de outra dimensão da moral social[7] (Dworkin, 2007). O constituinte derivado estabeleceu na norma em pauta princípio impositivo, aquele que, no dizer de Canotilho, “impõe aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas” [8] (2000, p. 1167). São princípios definidores dos fins do Estado.
Em cumprimento à determinação constitucional, a LC 64/90 – a Lei das Inelegibilidades – regulamentou o art. 14, § 9°. Em 2010, a LC 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, alterou dispositivos da LC 64/90, ampliando o rol de inelegibilidades. Lembremos que os princípios, ensina Canotilho, têm função normogenética ou sistêmica[9]. Orientam a atuação do intérprete, de modo a conferir coerência ao sistema jurídico, evitando que seus componentes entrem em contradição. Por conta desse papel, os princípio postos no art. 14, §9°, são os grandes nortes interpretativos de todo o sistema de inelegibilidades. Não parecem seguir esse rumo os julgados do TSE que limitam o  conceito de inelegibilidade superveniente a despeito da inexistência de lastro legal, como acima demonstrado. 
De todo o exposto, conclui-se:
a) a aplicação da teoria do fato jurídico indica que elementos negativos de existência do ato jurídico diplomação podem se fazer concretos mesmo após o dia da votação;
b) no art. 262 do Código Eleitoral e nas alíneas do art. 1 da LC 64/90 inexistem os limites temporais à eficácia de inelegibilidade supervenientes criados pelo TSE. Tampouco existem limites temporais decorrentes da própria natureza do ato jurídico gerador da inelegibilidade, os quais ostentam eficácia imediata. ;
c) os precedentes do TSE quanto a alínea “g” pecam por esquecer a coerência do sistema jurídico e por não reconhecer a ausência de univocidade do termo “eleição”;
d) Os arts. 15 e 26-C da LC 64/90 dão mostra de que a eficácia da inelegibilidade nascida antes da diplomação é sempre imediata, nunca protraída.
e) O norte interpretative dado pelo art14, §9°, da CF/88 não se coaduna com restrições ao conceito de inelegibilidades supervenientes não postas expressamente na legislação.






[1] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 9. ed. Trad. Maria Celeste Santos. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.

[2] MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 81
[3] MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 39
[4] MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. São Paulo: Saraiva, 2014.

[5] MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. São Paulo: Saraiva, 2014, p.49

[6] MELLO, Marcos Bernades de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. São Paulo: Saraiva, 2014, p.65
[7] DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007
[8] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.7. ed. Coimbra: Almedina, 2000

[9] idem, ibidem.

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