quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Raio X das Eleições: o sufrágio universal - por que todos votam?


Embora as democracias fundamentem-se na soberania popular, é impossível, em termos práticos, outorgar ao povo a prática de todos os atos de governo. Como milhões de pessoas seriam reunidas para discutir temas de imensa complexidade todos os dias?  Para superar essa dificuldade, criou-se o sufrágio.
 
 Estabelece o art. 14 da CF/88 “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular”.  Constitui o sufrágio o meio pelo qual o povo participa da condução do Estado. Por força dele se concretiza o art. 1°da CF, segundo o qual todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes ou diretamente. A manifestação mais evidente do sufrágio é o voto.

Considera-se universal o sufrágio conferido a todos, independentemente da condição econômica, qualificação pessoal ou qualquer outra exigência desarrazoada. Perfeitamente possível condicionar o direito à participação política ao preenchimento de alguns requisitos, desde que não sejam ofensivos aos direitos fundamentais. São constitucionais, por exemplo, restrições por conta de idade e de deficiência mental. Inaceitáveis, no entanto, limites oriundos de condição econômica, raça ou sexo. 

Nem sempre foi assim. A Constituição de 1824, no art. 92, restringia o direito a voto à população masculina, maior de 25 anos, livre - lembrem-se que a Lei Áurea só viria 64 anos depois  - e que tivesse renda acima de 100.000 réis (o que equivalia ao salário de um  servidor público de nível médio). Impedia-se ainda que quem não professorasse a religião do Império, o catolicismo, fosse candidato. A Lei Saraiva, de 1881, que teve como redator Rui Barbosa, aumentou o limite de renda para 200.000 mil reais e excluiu os analfabetos do rol de eleitores. De acordo com Raimundo Faoro, em 1872 cerca de 10% da população tinha direito a voto. Na primeira eleição após a vigência da Lei Saraiva, menos de 1,5% da população poderia votar 1. Quatro anos depois disso, como lembrou o Min. Joaquim Barbosa, ao proferir voto-vista nas ADCs 29 e 30 e na ADIN 4.578/DF,  somente 100.000 eleitores votaram, o que correspondia a 0,8% do povo. Ainda sobre as restrições ao sufrágio, relatou o Min. Joaquim o seguinte:

E esse retrocesso foi duradouro. Na última eleição presidencial da Primeira República, em 1930, votaram apenas 5,6% da população brasileira. Mesmo em 1945, já sob a égide da Constituição de 1934 e da extensão do direito ao voto às mulheres, compareceram às urnas apenas 13,4% dos brasileiros, o que correspondia a pouco mais de 7,5 milhões de eleitores. Esses números são reveladores, especialmente quando comparados aos atuais 136.072.921 de eleitores, o que equivale a pouco mais de 70% da população total do país.Esses números mostram: temos um notável passado de exclusão de eleitores, mas de pobres controles sobre a qualidade do eleito”.

As constituições de 1891(art. 70) e de 1934 (art. 108) impediam que mendigos votassem2. Somente com a constituição de 1934 reconheceu-se às mulheres o direito ao voto. Surge o sufrágio universal no Brasil apenas  na década de 80. Em 1985, Emenda Constitucional 25 estendeu o direito ao sufrágio aos analfabetos, afastados das urnas por todas as constituições republicanas até então. A Constituição vigente manteve esse direito ao dispor no art. 14, II, a, que o voto é facultativo para quem não é alfabetizado.

Como se vê, e-leitor, a conquista do voto para todos é bastante recente. Aos críticos das escolhas feitas pela população, é bom lembrar que não faz sequer 30 anos que todos passaram a votar. Ainda somos jovens demais em termos de democracia. É comum ouvir que analfabetos não deveriam votar, porque eles não sabem escolher. Você já examinou, caro e-leitor,  o perfil do eleitorado de políticos com condenações na justiça, como Paulo Maluf? Será que nele não estão incluídas as parcelas mais ricas e instruídas da população? Preciso mesmo responder?



1 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Porto Alegre/São Paulo, 1975.

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